João Eudes de Carvalho Neri, advogado. Membro da Academia Igarapemiriense de Letras
O Município de Igarapé-Miri é conhecido como a Capital Mundial do Açaí. No entanto o produto é isento de ICMS para o açaí in natura (caroço). O Município tem alto custo para manter trapiches, portos e estradas que sofrem o impacto da grande produção mediante o transbordo do fruto e a sobrecarga de transporte rodoviário que transitam pelas vias públicas.
O debate sobre o tema aflige boa parte dos municípios produtores do fruto. Todos, sem exceção, com baixos índices de desenvolvimento econômico. Essa é a realidade nua e crua do nosso Estado e que merece reflexão na análise do tema de fundo. Diante desse quadro, desde o ano de 2011 foi desenvolvido o projeto de Lei que criou a TAXA DO AÇAÍ, justamente na TERRA DO AÇAÍ, que agora está em debate no Plenário do TJ/PA [Tribunal de Justiça do Estado do Pará]. A aprovação da Lei 5.111, em Igarapé-Miri, ocorreu no ano de 2016. E depois foi copiada em outras cidades, com adequações à cada realidade. Dentre os Municípios que hoje têm TAXA DO AÇAÍ podemos citar, pelo menos, outros três: CAMETÁ, ABAETETUBA e ANAJÁS.
O SINDFRUTAS [Sindicato das Indústrias de Frutas e Derivados do Estado do Pará] achou que é muito caro pagar 1 real (R$ 1,00) por lata para Cametá ou 25 centavos (R$ 0,25) para Anajás e Abaetetuba e dez centavos (R$ 0,10) para Igarapé-Miri. E assim ajuizou ações contra o Município de Cametá e Igarapé-Miri e tentou impedir a implantação da GTV pela Adepará, mas o TJ/PA barrou a pretensão no AI 0805106-11.2021.8.14.0000, sob relatoria da Des. Luzia Nadja.
A ADIN do Sindifrutas contra o Município de Cametá teve
como relatora a Des. ELVINA GEMAQUE TAVEIRA e foi julgado no final de 2023:
TJ PARÁ - DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
(95) - 0809536-06.2021.8.14.0000
AUTOR: SINDICATO DAS INDUSTRIAS DE FRUTAS
E DERIVADOS DO ESTADO DO PARA. RECORRIDO: MUNICIPIO DE CAMETA. RELATOR(A): Desembargadora
MARIA ELVINA GEMAQUE TAVEIRA. EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E
TRIBUTÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR Nº 365/2020
DO MUNICÍPIO DE CAMETÁ, QUE INSTITUI TAXA DE CONTROLE, ACOMPANHAMENTO E FISCALIZAÇÃO
DAS ATIVIDADES DE EXPLORAÇÃO E APROVEITAMENTO DO AÇAÍ. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO
PARA INSTTITUIR TAXA DE PODER DE POLÍCIA. A ESTIMATIVA DE ARRECADAÇÃO
DA TAXA, INSTITUÍDA PELA LEI COMPLEMENTAR Nº 365/2020, DO MUNICÍPIO DE CAMETÁ, ULTRAPASSA
07 VEZES O ORÇAMENTO DA SECRETARIA MUNICIPAL DE AGRICULTURA, PESCA E
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA CAPACIDADE
CONTRIBUTIVA, DA EQUIVALÊNCIA (CUSTO/BENEFÍCIO) E DA PROPORCIONALIDADE.
VIOLAÇÃO DO ART. 145, II, DA CF/88 E ART. 217, II DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO
PARÁ. PRECEDENTES DO STF. AÇÃO PROCEDENTE COM EFEITOS EX NUNC. À UNANIMIDADE.
... 3- Competência do Município para
instituir e arrecadar os tributos de sua competência. Inteligência do art. 30,
III da CF/88. Ainda de acordo com a CF/88, encontra-se entre as competências
comuns do Município com os demais Entes Federativos, fomentar a produção
agropecuária e organizar o abastecimento alimentar, a teor do art. 23, VIII.
4-A lei complementar questionada atribui à Secretaria Municipal de Agricultura,
Pesca e Desenvolvimento Regional (SEMADRE), o poder de polícia para registrar,
controlar e fiscalizar as autorizações e operações de compra e venda
decorrentes da exploração e aproveitamento do açaí. 5-Sob esta ótica,
verifica-se que dentro dos liames constitucionais, há a possibilidade para
instituir taxa de poder de polícia sobre a exploração do Açaí. 6-A seu
turno, é cediço que “A taxa é tributo vinculado cuja hipótese de incidência
consiste numa atuação estatal direta e imediatamente referida ao obrigado.
Logo, trata-se de espécie tributária regida pelo ideal da comutatividade ou
referibilidade, de modo que o contribuinte deve suportar o ônus da carga
tributária em termos proporcionais à fiscalização a que submetido ou aos
serviços públicos disponibilizados à sua fruição.” (STF, ADI 4.785-MG, Relator
Min. Edson Fachin, julgado em 01.08.2022 - grifei). .... 10-Desta forma,
diante da orientação firmada pelo STF, não há como se considerar
inconstitucional a utilização do volume de açaí explorado como parâmetro para
quantificar a taxa de polícia decorrente da fiscalização da atividade, não
havendo inconstitucionalidade neste aspecto. 11-Contudo, o custo da
atividade de fiscalização pelo Município deve guardar razoável equivalência com
o valor cobrado do contribuinte, sob pena de descaracterizar a natureza
contraprestacional da taxa, violando o princípio da capacidade contributiva, da
equivalência e daproporcionalidade. 12-No caso concreto, a lei complementar nº
365/2020, do Município de Cametá, em seu art. 5º, estabelece que a taxa será
cobrada no valor de R$ 1,00 (um real) por basqueta/lata de açaí in natura,
de peso médio de 14 quilos, embarcada ou desembarcada ou transportada nos
portos situados no Município de Cametá. ...18- Ação procedente com efeitos ex
nunc, para declarar inconstitucional a Lei Complementar nº 365/2020, do
Município de Cametá, que institui taxa de Controle, Acompanhamento e
Fiscalização das Atividades de Exploração e Aproveitamento do Açaí. 19- À
unanimidade.... 45ª
Sessão Ordinária – Pleno, Tribunal de Justiça do Estado do Pará, aos 29 de
novembro de 2023. Julgamento presidido pela Exma. Desa. Maria de Nazaré
Gouveia. ELVINA GEMAQUE TAVEIRA -
Desembargadora Relatora
O TJ reconheceu que a TAXA DO AÇAÍ pode ser criada, bem como a possibilidade de utilizar o peso/volume do produto como parâmetro para estabelecer o valor da taxa. No entanto, acolheu a segunda tese do SINDFRUTAS, pois o valor cobrado por lata de açaí (14 kg) era de R$1,00 (hum real). Agora chegou a vez de julgar a ADIN do SINDFRUTAS contra Igarapé-Miri, que está sob relatoria do Des. José Maria Teixeira do Rosário, que, num primeiro momento, acolheu a alegação do SINDFRUTAS, mas ocorreu pedido de vista do Des. Luiz Neto. O processo voltou para pauta no dia 31 de julho, mas foi novamente adiado.
Este advogado miriense João Eudes de Carvalho Neri defendeu a validade da Taxa do Açaí no pleno do TJ do Pará. [...] No caso miriense, o valor estipulado em R$0,10 (dez centavos) e NUNCA foi recolhido para os cofres públicos.
Primeiro pelas crise políticas nas mudanças de governo e, segundo, pela intervenção do SINDFRUTAS que pediu administrativamente a suspensão e depois na via judicial. O recente caso julgado no STF [Supremo Tribunal Federal] envolvendo a TAXA MINERÁRIA DO PARÁ espancou qualquer dúvida sobre o tema em debate e sobre os critérios envolvendo a proporcionalidade e razoabilidade na cobrança de taxa. Destaco:
AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.786/PA – RELATOR: MIN. NUNES MARQUES. EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.
7.591/2011. ESTADO DO PARÁ. TAXA DE CONTROLE, ACOMPANHAMENTO E FISCALIZAÇÃO DAS
ATIVIDADES DE PESQUISA, LAVRA, EXPLORAÇÃO E APROVEITAMENTO DE RECURSOS
MINERÁRIOS. 1. A instituição de taxa em razão do exercício de poder de
polícia por Estado-Membro, respeitadas as características essenciais do
tributo, não afronta o art. 145, II, da Constituição Federal. 2. É admissível a
utilização, a título de elemento para a quantificação tributária, do volume
de minério extraído, porquanto razoável a conclusão de que, quanto maior a quantidade, maior pode ser o impacto
social e ambiental do empreendimento e, assim, maior deve ser o grau de
controle e de fiscalização do poder público.
3. A observância do princípio da proporcionalidade impõe não equivalência
estrita, mas, sim, equivalência razoável entre o valor da taxa e os custos da
atividade estatal. Surge aceitável, portanto, alguma folga orçamentária, a
fim de que o custeio da fiscalização de atividade desenvolvida com fins
lucrativos puramente particulares não seja arcado pela sociedade como um todo..
Brasília, 1º de agosto de 2022. Ministro NUNES MARQUES. Relator.
Ademais, o SINDFRUTAS não apresentou QUALQUER PROVA DE RISCO
para a manutenção das atividades do seus sindicalizados. Na verdade, o preço do
açaí, especialmente para o mercado externo, aumenta consideravelmente e o valor de DEZ CENTAVOS DE REAL POR LATA é inexpressivo diante dos lucros obtidos
por todos que participam da cadeia produtiva. E a produção aumenta sendo
necessário que o Município atue na fiscalização, até mesmo com apoio da
vigilância sanitária.
A conta simplória do SINDFRUTAS aponta como se TODO O VALOR PRODUZIDO E TRANSPORTADO fosse obrigatoriamente recolhido sem nenhuma sonegação; o Município arrecadaria R$ 4.200.000,00 [quatro milhões e duzentos mil reais], se a taxa fosse de 0,14 centavos por lata (atualizado). E certamente que é muito menor de os atuais 5,5 milhões de reais necessários para a Secretaria de Finanças e também de Desenvolvimento do Trabalho segundo a LOA 2024, sendo que ainda nem começaram efetivamente a cobrar a TAXA do AÇAÍ.
Assim, mesmo que todo o valor fosse arrecadado, tal valor não iria superar as despesas das secretarias envolvidas na fiscalização, o que demonstra a razoabilidade do valor. Ademais, se o Judiciário pudesse estabelecer o valor, teria que indicar o mínimo ou o máximo a ser cobrado. E se o referencial for o custo das Secretarias envolvidas, o valor da taxa estaria bem abaixo do razoável e proporcional.
Cabe lembrar trecho elucidativo do voto do Ministro Nunes Marques na ADI 4786/PA sobre a forma mais justa de atender ao princípio da razoabilidade na análise de taxas do ente público:
“... Logo,
ante a impossibilidade de calcular cada centavo a ser empreendido na atividade
fiscalizatória, mesmo porque esta pode variar, aceitável que o cálculo da taxa
seja feito com alguma folga orçamentária.
Assim
sendo, em caso de superávit, entendo que a receita gerada não precisa,
obrigatoriamente, ser reinvestida na própria atividade fiscalizatória, podendo
integrar a receita do Estado para outros serviços públicos, uma vez já cobertos
os custos do exercício do poder de polícia. Mesmo porque a Lei estadual n.
7.591/2011 não estipula essa vinculação específica ao produto arrecadado.
Ressalte-se
que o art. 167, IV, da Constituição Federal veda a vinculação da receita de
impostos, mas não de taxas; ou seja, não há qualquer dispositivo constitucional
a vincular a receita das taxas, desde que observado valor razoável em relação
ao custo da ação do poder público, o que se verifica nas contas referentes ao
exercício 2019...”
Não existe efeito de confisco e muito menos qualquer risco para as atividades produtivas. O Município vem implementando melhorias, inaugurando inclusive o PORTO DO AÇAÍ, neste ano, e fica evidente que não há qualquer violação aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Importante que esse debate sobre a constitucionalidade da Taxa do Açaí seja finalmente resolvido, pois vai possibilitar que os municípios produtores passem a arrecadar o mínimo necessário para manter serviços essenciais nos portos, trapiches e vias de suas cidades.
[Fim]
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Outras informações e, se for o caso, posição do citado sindicato deveriam ser encaminhadas (via doc Word) para o e-mail poemeiro@hotmail.com
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