BRASIL, DE MODELO ESCRAVISTA À SOCIEDADE
CAPITALISTA DEPENDENTE: COMO SUPERAR ESSES DESAFIOS?
Antônio Marcos Quaresma Ferreira (foto: arquivo do autor)
Academia Igarapemiriense de Letras (AIL)
Professor e Escritor. Mestre, Especialista e Graduado. Filósofo.
Vereador em Igarapé-Miri (PA), pelo Partido dos Trabalhadores(as)
A história social do Brasil
desde seu início foi marcada pela diferença de classes, onde de um lado
estiveram os dominadores e de outro os dominados. Foi assim desde a colonização,
passando pelo período de escravidão, até a estruturação e consolidação da
sociedade capitalista atual. Foi nesse território
de desigualdade que o país viu emergir uma nova categoria de classe totalmente à
margem de da dignidade social, isto é, pessoas tratadas como “subgente”, obrigadas
sobreviver de atividades informais e eventuais. Souza (2009) classifica esse
seguimento como a “ralé da sociedade”.
Autores como Florestan Fernandes
(1920-1995), Paul Singer (1932- 2018) e Darcy Ribeiro (1922-1997) destacam a
escravidão como elemento importante para a compreensão da desigualdade social
brasileira e descrevem a transição do modelo brasileiro de sociedade escravista
à sociedade capitalista (dependente).
Darcy Ribeiro (1995), ao
discutir essa questão da estratificação social no Brasil constrói um organograma
que permite compreender a sociedade brasileira dividida em classes: dominantes (constituídas por: patronato-
representado pelo setor oligárquico “senhorial
parasitário” e 2) patriciado - empresarial
contratista), setor intermediário (esses
constituem-se de: autônomos - profissionais
liberais e pequenos empresários e dependentes –funcionários e
empregados), classes subalternas (estas,
segundo o diagrama de Ribeiro, são constituídas de campesinato -
assalariados rurais, parceiros e minifundistas e operariado (fabril e serviços) e Por fim, as classes oprimidas que para ele são constituídas de pessoas que
vivem totalmente à margem da sociedade (marginais) a exemplo de: trabalhadores
estacionais, recoletores (volantes), empregados domésticos, biscateiros
(delinquentes) prostitutas/mendigos.
Esse diagrama de distribuição
da sociedade brasileira em classes pode ser muito bem compreendido a partir da
rememoração do início da colonização portuguesa (onde tínhamos uma estrutura de
“não mercado de trabalho”), passando para o momento específico do modelo de
produção escravista, até a transição para modelo de trabalho livre (que substituía
o negro escravizado/africano pela mão de obra imigrante). Vale citar que à
margem da modernização da produção, promovida pela revolução industrial, ocorrera
à formação de um imenso cadastro de reserva formado por negros, imigrantes, ex-escravizados,
caipiras, quais serão “descartados” pelo sistema.
A questão da estratificação
social é amplamente discutida por Paul Singer (1981), em uma tentativa
do autor em medir o tamanho das classes, assim como analisar as transformações
estruturais durante o período de 1960 a 1976. Para o autor, “as classes são os
verdadeiros atores no drama que se desenrola no convívio história” (Singer,
1981). Nesse sentido as classes sociais seriam as grandes responsáveis pelos
embates sociais organizando-se em correntes de opinião, alinhamento ideológico,
formação de partidos políticos, dentre outros, embora nem sempre apareçam em
cena, elas seriam as protagonistas da história e vinculariam suas práticas a
seus interesses. A desigualdade entre as classes seria, portanto, resultante de
um histórico processo de sobreposição entre as classes, possibilitando um
distanciamento cada vez maior entre dominadores e dominados. Sendo assim,
contra o desequilíbrio entre as classes, haveria então a necessidade de um
projeto do proletariado que “visa antes de mais nada a igualdade social a ser
alcançada pela abolição da divisão de classes” (SINGER, 1981, p. 23).
Embora utópico do ponto de
vista de um projeto coletivo, o desejo de ascender de classe é o que move
diariamente o povo brasileiro. Sobre isso Ribeiro (1995), entende ser visível que o povo brasileiro “vive
transladando de um território para outro em busca de melhores condições de vida
e de ascensão social. É preciso viver num engenho, numa fazenda, num seringal,
para sentir a profundidade da distância com que um patrão ou seu capataz trata
os serviçais, no seu descaso pelo destino destes, como pessoas, sua inconsciência
de que possam ter aspirações, seu desconhecimento de que estejam, eles também,
investidos de uma dignidade humana” (RIBEIRO, 1995, p. 216). O mesmo autor reitera
que alguém quando consegue ultrapassar as barreiras e ingressar em uma outra classe
social consegue transmitir em uma ou duas gerações crescimento em estatura e embelezamento
corporal, podendo inclusive ser confundido com o patriciado tradicional. Ainda assim, segundo ele, é impossível não perceber
o contraste em aglomerados de pessoas onde predomina um grupo social. “A
multidão de uma praia de Copacabana e os moradores de uma favela ou subúrbio
carioca ou mesmo o público em um comício de Natal ou em Campinas, como
representação dessas camadas opostas, se configuram ao observador mais
desavisado com humanidade distintas” (RIBEIRO, 1995, p. 212).
É certo que o problema da desigualdade
em poucos momentos foi encarado como meta a ser superada. Foi assim que
historicamente a população negra sempre carregou o peso da herança marginal da
dominação e escravização.
Fernandes (1975) parte de uma discussão
histórica sobre o resultado do poder econômico da sociedade capitalista
constituído de processos específicos de exploração de trabalho. Citando o
“milagre econômico” ocorrido dentro do contexto do regime militar, o autor
entende que este foi resultado da ex- propriação dos trabalhadores, obrigados a
vender sua força de trabalho como única alternativa, sendo assim o crescimento
econômico, portanto, não viria de graça, mas seria produto da exploração
sitemática do trabalhador.
Por fim, esse debate sobre a
estratificação social, nos faz refletir sobre a histórica desigualdade brasileira,
construída à luz de um amplo processo de dominação e exploração. É inegável que
tivemos alguma mudança estrutural após o
“fim” do modelo escravista, porém grande parte das atividades consideradas indignas
para classes mais favorecidas continuaram a ser executadas por herdeiros de
famílias outrora escravizadas, que por não conseguirem acesso à educação de
qualidade, moradia digna, entre outros direitos, são obrigadas a viver em condições de pobreza e
miserabilidade.
É visível que nos últimos anos
tivemos importantíssima redução dessa desigualdade social brasileira, graças
à investimentos em políticas públicas importantes, a exemplo de programas sociais de inclusão e
transferência de renda sobretudo a partir dos Governos Lula e Dilma. No
entanto, essas expectativas de mobilidade social, contrastam com as limitações e
condições de subdesenvolvimento, próprias de uma economia dependente, portanto à
margem do capitalismo global. Em um momento que as políticas econômicas
adotadas pelo governo Lula 3 nos recolocam em condição de protagonismo entre os
melhores PIBs mundiais, reconhecer nossos desafios é condição necessária para
darmos novos passos rumo a construção de um país mais justo!!
REFERÊNCIAS:
FERNANDES, Florestan. “A
Sociedade de Classes sob o Capitalismo Dependente” (apenas parte do
capítulo, p. 48-69) in: Sociedade de
Classes e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975, 3ª.
edição.
SINGER, Paul. Dominação
e Desigualdade: Estrutura de classes e repartição da renda no Brasil
(p.17-23, 101-120). Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1981.
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro:
formação e sentido do Brasil (p. 208-227, capítulo III.3, Classe, cor e
preconceito). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SOUZA, Jessé. A Ralé Brasileira: quem é e como vive. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2009.