Israel Fonseca Araújo
Rio Mamangal-Grande, 14 de janeiro de 2019
Quando eu nasci, era um 14 de janeiro do
interior de Igarapé-Miri, no frio inverno das mais pobres amazônias que nos
acolheram. Faz muitos anos, tem isso já primaveras a perder de vista.
Na hora de eu me apresentar ao meu (pequeno)
público aguardativo, a parteira dona Maria exclamou à mamãe Fonseca: “Teca [Terezinha Fonseca], é um homem, tá qui
o negócio duro”, se referindo a meu braço direito. Não teria como se
constituir, naquele momento, público maior, já que o nascimento dos filhos dos
pobres e muito pobres dos interiores da Amazônia dos idos de 1970 era coisa bem
discreta; nada de filmadoras, digitais e/ou celulares dos mais poderosos tipos
os dos dias de hoje, nada disso. Era formado um público muito seleto para poder
receber esses cobocos amazônicos, no
geral somente a parteira, a paritiva (tradução: a grávida, a parturiente) e sua
mãe (às vezes, ainda, uma sogra, às vezes, uma cunhada). Será que, por esse
motivo, que eu sou tão tímido e tão discreto?
Em terra e em tempo de ausências de ultrassonografia,
ninguém sabia, até essa madrugada, se era homem ou não. Mas deu um primogênito
de mamãe!
Esse era pra ser o momento de dona Maria
dizer: “Vai, piqueno, ser gauche na vida,
ser inconformado na vida, vai ser estudioso nesta vida”. Isso é verdade: os
pobres e os muito pobres precisam muito mais do que outrem fazer certos estudos
(incluindo as postulações de Paulo Freire sobre primeiro ler o mundo para,
depois, ler as palavras). Nessa nada mole vida, dada toda a conjuntura dos idos
de 1970/80/90, não teria tantas opções aos pobres da minha geração: era preciso
que seus pais muito lutassem, fizessem uma guerra do Araguaia por dia para
poder livrar seus filhos das muitas fomes e, até, de mortes prematuras causadas
pela extrema pobreza.
Esta foi minha realidade, minha conjuntura
mais marcante e imediata, foi meu abraço de realidade mais incisivo demarcador de
uma infância de privações.
Era preciso que o futuro Poemeiro do
Miri tivesse meios de ajudar seus pais na sobrevida, seja na coleta do açaí, nos
trabalhos na padaria, seja nos trabalhos um pouco forçados nas olarias, seja
como fosse. Aí, já nos anos 1991/92, o gauche conseguiu voltar a estudar e,
mais umas tantas vezes, conseguiu estudar e parar (parar e estudar), para que,
por fim, se tornasse professor. Tipo uma salvação de lavoura.
Enfim, não é uma devoção à contribuição da
educação pública nas nossas vidas (mas não é um desmentir dessa ideia de tese,
por tantos levantada); não é um desabafo pessoal (mesmo porque, assim, seria mais uma voz falando por muitos, um enunciar
levantado por todos), mas que é uma retomada ao poema, isso, sim, é.
É uma espécie de Crônica-carta, só
porque eu gosto muito deste dia, desta história e desta vida. Obrigado pela leitura, viu!
"Quando eu nasci..." É uma ode à Vida e às lutas que travamos para viver ou sobreviver na Amazônia!
ResponderExcluirObgd, minha dileta amiga; sobre essa perspectiva de vida, tmb concordo com vc; nós bem sabemos!!!
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