sábado, 26 de março de 2022

Não te agonia: tu não concordas em gênero, número e "grau"

Israel Araújo (editor, fundador)

Professor e Escritor. Academia Igarapemiriense de Letras (AIL)


Não gosto dessa ideia de dar "dicas de português", a não ser que fossem dicas culturais e/ou filosóficas que viessem de Portugal. Mas não as tenho. Poesias, tais como as de Fernando Pessoa, aí, sim, posso te dar. Nem eu daria dicas pra vc falar ou escrever bem, ou "corretamente". Não tenho crença nisso (quem vê a língua como um esqueleto ou algo morto, deve ser legista ou quem desenterra restos mortais em uma exumação). Aliás, como já estudei e estudo um pouquinho de Linguística, indo meio perto de Sociolinguística, dos estudos discursivos, da variação linguística e de coisas similares, nem tenho mais o direito de cometer essas gafes ou marcar essas "tocas" (no Pará, sempre usamos esses registros de fala/escrita; o "não te agonia" é frequente). É isso e é uma questão de fé e de convicção.

Quem vive se arriscando a dar essas "dicas", vive pisando a bola - como se diz pelo registro de norma culta ou norma padrão. Ou seja, vive contundindo seus tornozelos na praça pública linguageira. Vejam o caso dos puritanos jornalistas, profissionais de nível superior, nos seus programas televisivos, que escorregam milhões de vezes ao pronunciar nobel (paroxítona), ao invés de nobel (oxítona, que é a forma correta de pronunciar); risos meus, agr.

Segundo minhas crenças, se um amigo, ou uma amiga, parente, gente querida, me pedisse sugestão, eu poderia sugerir, só sugerir que lesse o livro A norma oculta: língua & poder na sociedade brasileira (ed. Parábola), do formidável linguista e educador Marcos Bagno). Tem, ainda, outros, menos densos, mas - acerca dessa questão da norma (em linguagem, diga-se de passagem) - quero indicar esse livro aí, acima indicado.

Voltemos ao caso de minha sugestão, do título "tu não concordas em gênero, número e grau", conforme as pessoas dizem amiúde por aí; acontece que tua concordância, em termos de elementos linguísticos, acontece somente em gênero e número. Pensem no "masculino e feminino", no "singular e plural" de nossa terna infância; trata-se de gênero e número, em termos gramaticais, em termos desses registros linguísticos. Já usei várias construções, aí acima, respeitando essas "leis".

Vejamos as seguintes relações, nas construções dadas:

"essas leis" = número (plural);

"seus tornozelos" = numero (plural; e gênero, igualmente, pois lá está o masculino "tornozelo");

"na praça pública" (gênero, pois se trata de "a praça"; mas é "a praça", viu?);

"um amigo, ou uma amiga, gente querida" (gênero: masculino e feminino; igualmente, tem-se a relação em número, pois aí temos "amigo" e não amigos, p. ex.).

Ou seja, sem grandes esforços, várias construções "surgiram" e sendo que respeitamos as flexões. Mas, nada de acontecerem "concordâncias em termos de grau". Pronto, fim de papo.

Grau? No sentido desta nossa micro conversa, é fenômeno que denota derivação (não se trata de flexão). Sendo derivação, já se passa a outros terrenos no campo morfossintático e se avança em termos de mudança de sentido. Caso a gente faça um esforço para concordar "em grau", o resultado deve ser frustração, somente. Uma leitura descomplicada, mas muito básica, está na seguinte publicação (acesse, clicando AQUI).

Nesse post (do Jornal de Brasília), vc tem explicações interessantes, tais como:

[...] substantivos flexionam-se [somente] em gênero e número, mas durante muito tempo incluiu-se, nesse meio, o grau. Vamos recordar: gênero tem a ver com masculino e feminino (menino – menina). Já o número mostra se é singular ou plural (meninos – meninas). A gradação (o grau) já é demonstração de aumentativo e diminutivo em várias modalidades (meninão – menininha; bonitíssimo, muito bonito, o mais bonito). (grifo meu)

Ocorre que muitos estudiosos perceberam que o grau não se encaixava nessa forma de flexão, por não exigir tal concordância, configurando-se, apenas, uma derivação, e com característica opcional. Veja que se deve dizer “menina bonita” (alterando o bonito para concordar com a menina), mas não é obrigatório dizer “menininha bonitinha”, permitindo-se “menininha bonita”. (grifo meu)

[...] entendemos que a expressão pode vir da época em que ainda se tratava a gradação como uma forma de flexão. Quem ainda não pensou nisso (ou nem sabia) continuou a equivocada tradição. [...] Mesmo assim, há quem afirme que “concordar em gênero, número e grau” seja uma forma de ter a mesma opinião de alguém em tudo, até mesmo em aspectos para o qual não se exija tal atitude: “Concordo com você até quando não é preciso”. Será? Há quem arrume desculpa para tudo, não é? (grifo meu)

(Fim)


Não sei vc, mas eu só faço as concordâncias, isto é, as ligações, relações, cruzamentos, flexões... em termos de gênero e número. Pra ser sincero com vc, nem tem como vc fazer diferente (risos).

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P.S.: Erros, imprecisões? Informem para poemeiro@hotmail.com

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