Israel Fonseca Araújo (poemeiro@hotmail.com; Academia Igarapemiriense de Letras-AIL)
Editor-fundador do Blog Poemeiro do Miri
ENTREVISTA:
Israel Araújo: Professor David Farias, como surge esse projeto do livro "O comércio de escravos - comarca de Igarapé-Miri/PA" e em que medida vc acha que esse trabalho acadêmico pode ajudar Igarapé-Miri e se reconhecer em sua própria história?
David Farias: É um trabalho que busca
recuperar um pouco da experiência de homens e mulheres submetidos a um regime
de trabalho compulsório durante séculos e que até pouco tempo estiveram pouco
presentes nos relatos dos memorialistas locais. O fato é que ao trazermos esses
indivíduos para o debate histórico construímos elementos para pensarmos
importantes temas que permeiam o nosso tempo presente, acredito que por algum
tempo a história de Igarapé-Miri foi protagonizada apenas por figuras ilustres,
embora esses indivíduos tenham sua devida importância histórica, precisamos ter
em mente que toda riqueza produzida na região seja pela extração de madeira,
cachaça ou nas diversas atividades agrícolas extrativistas passou pelos braços
da classe trabalhadora, composta naquele momento por indivíduos escravizados em
sua maior parte, indígenas, livres e libertos um complexo mundo do trabalho que
se configurou no século XIX.
Desse modo é a classe
trabalhadora que deve também ganhar protagonismo na história de Igarapé-Miri, a
trajetória desses indivíduos suas lutas e resistências contra os desmandos da
classe senhorial precisam cada vez mais ser descortinadas, para que assim Igarapé-Miri possa se reconhecer em sua própria história, e perceber algumas
estruturas de dominação que insistem em permanecer até os dias atuais.
Israel
Araújo: O cenário de sua exposição, na obra, é o séc. 19, a partir da
conjuntura de Igarapé-Miri; fale um pouco mais sobre essa realidade escravista,
nesse contexto histórico.
David Farias: É importante destacar
que por algum tempo percebeu-se a Amazônia como área periférica no que diz
respeito a presença africana, por muito tempo até mesmo nos estudos históricos
entendia-se que a presença africana na Amazônia teria sido inexpressiva, esse suposto
vazio demográfico era balizado a partir dos seguintes argumentos, em primeiro
por causa caráter eminentemente extrativista da economia amazônica, estruturada
no uso massivo da mão de obra nativa, em seguida a suposta incipiência dos empreendimentos agrícolas
na Amazônia, além da ineficácia atribuída à Companhia de Comércio do Grão Pará
e Maranhão em inserir escravos africanos na região. Na década de 1860 esse
debate foi superado, a partir de estudos pioneiros como os de Anaíza Vergolino
e Napoleão Figueiredo, Vicente Salles, Antônio Carreira e Manuel Nunes Dias,
passamos a conhecer com maior profundidade a importância da participação
africana na região amazônica.
Com base nesse e em
outros estudos foi possível verificar que a escravidão africana estava
disseminada por toda a Amazônia, evidente que em alguns espaços ela foi menos
pulsante em outros mais, a escravidão em Igarapé-Miri esteve presente desde os
primeiros tempos da ocupação colonial na região, os colonos ao solicitarem a
concessão de uma Sesmaria que lhe daria direito de uso e exploração de
determinada sorte de terra, justificavam o pedido a administração real dizendo
não possuir terras suficientes para trabalhar e ocupar seus escravos, essa era
uma justificativa recorrente.
No século XIX o ingresso
de escravos africanos na Amazônia tomou dimensões significativas estima-se que
entre o final do século XVII até 1840, data do ultimo carregamento de escravos
africanos para Amazônia, aproximadamente 60.000 escravizados adentraram em
território amazônico, 60% desse quantitativo no final do século XVII e nas
primeiras décadas do XIX. É dentro desse contexto que a região de Igarapé-Miri
vivencia a experiência do regime escravista.
Israel
Araújo: Quais fatores políticos, sociais, e até econômicos, vieram a
contribuir para a instalação e a consolidação desse comércio escravista, em
Igarapé-Miri?
David Farias: Na segunda metade do
século XIX o tráfico atlântico de escravos foi definitivamente abolido pela lei
Eusébio de Queirós em 1850, a partir desse momento os senhores escravistas do
Brasil se utilizaram unicamente do comércio interno de escravos para a
manutenção e reposição dos seus plantéis.
Nesse período a comarca
de Igarapé-Miri despontava na região amazônica como o segundo maior reduto
escravista da província paraense, como demonstrou o Censo demográfico realizado
em 1872, uma região que consolidou suas
bases econômicas na indústria canavieira uma atividade praticada por aqui desde
tempos coloniais, e que não apenas na Amazônia, mas em diversas partes do Brasil
esteve intimamente ligada a utilização da mão de obra escrava de origem
africana. As famílias tradicionais de colonos que se estabeleceram por aqui
construíram suas riquezas, influencia e prestigio politico sobre o tripé,
terras, engenhos e escravos.
Chegavam a passar de
100 as unidades desses engenhos em pleno funcionamento nos municípios de
Igarapé-Miri, Abaeté e Mojú, ou seja, com tantos empreendimentos assim a
demanda por mão de obra era proporcional, e esses trabalhadores no século XIX
em sua maior parte eram escravizados. O Censo Demográfico que me referi
anteriormente de 1872 registrou na comarca de Igarapé-Miri 4.266 escravos de
origem africana, na comarca de Cametá, algo em torno de 2.500 e na comarca da
Capital 7.277 escravizados. As demais regiões da Amazônia apresentaram
percentuais menores que os já citados.
Quando ocorre a
interrupção do trafico atlântico, já não era mais possível contar com a
reposição de novos escravos africanos, então o comércio interno de escravos
passará a ser a única forma de acesso a mão de obra escrava. Nesse período as
transferências de escravos urbanos para as propriedades rurais será uma
constante, de áreas economicamente fragilizadas para áreas mais dinâmicas,
assim os senhores de Igarapé-Miri no ensejo de se desfazer ou adquirir novos
escravos estabeleceram de longa data um comércio interno de escravos que
buscava suprir as necessidades de seus empreendimentos. É preciso lembrar ainda
que no Brasil o escravo era capital liquido valiosíssima moeda de troca, alvo principal
dos investimentos de alguns indivíduos abastados, eram mais valiosos que a
própria terra, que naquele período se dispunha em relativa abundância, mas sem
braços pra trabalhar tornava-se improdutiva.
Dessa maneira, é a
partir de uma longa tradição escravista na região tocantina, aliada ao
significativo número de escravos aqui residentes muito em função das atividades
econômicas que aqui se praticava é que se estabeleceu as bases para a
consolidação de um importante comércio de escravos na comarca de Igarapé-Miri.
Israel
Araújo: Cotejando nosso município, naquele momento, com outros da região e
até de fora do estado, quais semelhanças e/ou diferenças podem ser apontadas na
questão desse comércio de escravos?
David Farias: É possível dizer que a
região de Igarapé-Miri segue, em certo sentido, a mesma tendência que se
observa para outras regiões do Brasil, ou seja, um comércio de escravos que se
materializa principalmente de forma endógena, após 1850 com o fim do trafico atlântico, o comércio ou
tráfico interno de escravos (um debate conceitual que não cabe esmiuçar no
momento) vai operar em diversos níveis, o interprovincial, aquele praticado
entre as províncias, da mesma região ou de regiões diferentes, o
intraprovincial que se realizava dentro de determinada província, mas o grosso
desse comércio em todo Brasil ocorreu a nível intermunicipal e intramunicipal.
Em Igarapé-Miri assim
como em diversos outros lugares a principal fonte para o estudo desse comércio são os registros cartoriais, as notas de compra
e venda de escravos que passam a ser obrigatórias a partir de 1860, mas que já
existiam registrava antes disso, é a partir dessa documentação que tomamos
conhecimento de um conjunto diversificado de informações que nos permitem entender um pouco mais sobre
esse mercado de homens e mulheres escravizados.
Israel
Araújo: Muito obrigado pela concessão da entrevista, sucessos no lançamento.
Faça suas ponderações finais
David Farias: O texto do livro é uma
pesquisa inicial, reconheço que existem muitos aprofundamentos a serem
construídos, discussões que deixei em aberto, é uma literatura concisa e ao
mesmo tempo permeada por informações relevantes sobre nossa história local,
para muitos talvez eu devesse amadurecer mais o texto para depois publica-lo,
entretanto como professor reconheço a urgência da circulação desse tipo de
conhecimento histórico em nossas escolas, discutir temas relevantes da história a partir de um recorte mais
regionalizado creio que seja fundamental.
Agradeço a você pelo
espaço aqui no blog, parabenizo pelo trabalho que vem desenvolvendo nas
plataformas digitais discutindo temas de interesse da população miriense em
geral, aproveito também para convidar seus leitores para o lançamento do livro
nesta sexta às 20h no Espaço Verde, Avenida Sesque Centenário, próximo ao
MAC.
Muito obrigado.
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Era isso. Até mais.
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