quinta-feira, 19 de novembro de 2020

ENTREVISTA: Historiador Davi Farias lança livro "O comércio de escravos" sobre a história de Igarapé-Miri

Israel Fonseca Araújo (poemeiro@hotmail.com; Academia Igarapemiriense de Letras-AIL)

Editor-fundador do Blog Poemeiro do Miri    

(Convite de lançamento do Livro "O comércio de escravos"; Divulgação do autor)


O Blog Poemeiro do Miri pediu entrevista exclusiva ao historiador miriense David Farias, o qual está lançando (amanhã, às 20h, no Espaço Verde) o livro "O comércio de escravos: comarca de Igarapé-Miri (1868-1887)". Diante da resposta positiva do autor, disponibilizamos a íntegra da conversa com o pesquisador David Farias - o qual é graduado em História (UFPA) e é Mestrando em História pela mesma instituição. Segue:


 ENTREVISTA:

Israel Araújo: Professor David Farias, como surge esse projeto do livro "O comércio de escravos - comarca de Igarapé-Miri/PA" e em que medida vc acha que esse trabalho acadêmico pode ajudar Igarapé-Miri e se reconhecer em sua própria história?

David Farias: É um trabalho que busca recuperar um pouco da experiência de homens e mulheres submetidos a um regime de trabalho compulsório durante séculos e que até pouco tempo estiveram pouco presentes nos relatos dos memorialistas locais. O fato é que ao trazermos esses indivíduos para o debate histórico construímos elementos para pensarmos importantes temas que permeiam o nosso tempo presente, acredito que por algum tempo a história de Igarapé-Miri foi protagonizada apenas por figuras ilustres, embora esses indivíduos tenham sua devida importância histórica, precisamos ter em mente que toda riqueza produzida na região seja pela extração de madeira, cachaça ou nas diversas atividades agrícolas extrativistas passou pelos braços da classe trabalhadora, composta naquele momento por indivíduos escravizados em sua maior parte, indígenas, livres e libertos um complexo mundo do trabalho que se configurou no século XIX.

Desse modo é a classe trabalhadora que deve também ganhar protagonismo na história de Igarapé-Miri, a trajetória desses indivíduos suas lutas e resistências contra os desmandos da classe senhorial precisam cada vez mais ser descortinadas, para que assim  Igarapé-Miri possa se reconhecer  em sua própria história, e perceber algumas estruturas de dominação que insistem em permanecer até os dias atuais.


Israel Araújo: O cenário de sua exposição, na obra, é o séc. 19, a partir da conjuntura de Igarapé-Miri; fale um pouco mais sobre essa realidade escravista, nesse contexto histórico.

David Farias: É importante destacar que por algum tempo percebeu-se a Amazônia como área periférica no que diz respeito a presença africana, por muito tempo até mesmo nos estudos históricos entendia-se que a presença africana na Amazônia teria sido inexpressiva, esse suposto vazio demográfico era balizado a partir dos seguintes argumentos, em primeiro por causa caráter eminentemente extrativista da economia amazônica, estruturada no uso massivo da mão de obra nativa, em seguida  a suposta incipiência dos empreendimentos agrícolas na Amazônia, além da ineficácia atribuída à Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão em inserir escravos africanos na região. Na década de 1860 esse debate foi superado, a partir de estudos pioneiros como os de Anaíza Vergolino e Napoleão Figueiredo, Vicente Salles, Antônio Carreira e Manuel Nunes Dias, passamos a conhecer com maior profundidade a importância da participação africana na região amazônica.

Com base nesse e em outros estudos foi possível verificar que a escravidão africana estava disseminada por toda a Amazônia, evidente que em alguns espaços ela foi menos pulsante em outros mais, a escravidão em Igarapé-Miri esteve presente desde os primeiros tempos da ocupação colonial na região, os colonos ao solicitarem a concessão de uma Sesmaria que lhe daria direito de uso e exploração de determinada sorte de terra, justificavam o pedido a administração real dizendo não possuir terras suficientes para trabalhar e ocupar seus escravos, essa era uma justificativa recorrente.

No século XIX o ingresso de escravos africanos na Amazônia tomou dimensões significativas estima-se que entre o final do século XVII até 1840, data do ultimo carregamento de escravos africanos para Amazônia, aproximadamente 60.000 escravizados adentraram em território amazônico, 60% desse quantitativo no final do século XVII e nas primeiras décadas do XIX. É dentro desse contexto que a região de Igarapé-Miri vivencia a experiência do regime escravista


Israel Araújo: Quais fatores políticos, sociais, e até econômicos, vieram a contribuir para a instalação e a consolidação desse comércio escravista, em Igarapé-Miri?

David Farias: Na segunda metade do século XIX o tráfico atlântico de escravos foi definitivamente abolido pela lei Eusébio de Queirós em 1850, a partir desse momento os senhores escravistas do Brasil se utilizaram unicamente do comércio interno de escravos para a manutenção e reposição dos seus plantéis.

Nesse período a comarca de Igarapé-Miri despontava na região amazônica como o segundo maior reduto escravista da província paraense, como demonstrou o Censo demográfico realizado em 1872, uma região que  consolidou suas bases econômicas na indústria canavieira uma atividade praticada por aqui desde tempos coloniais, e que não apenas na Amazônia, mas em diversas partes do Brasil esteve intimamente ligada a utilização da mão de obra escrava de origem africana. As famílias tradicionais de colonos que se estabeleceram por aqui construíram suas riquezas, influencia e prestigio politico sobre o tripé, terras, engenhos e escravos.

Chegavam a passar de 100 as unidades desses engenhos em pleno funcionamento nos municípios de Igarapé-Miri, Abaeté e Mojú, ou seja, com tantos empreendimentos assim a demanda por mão de obra era proporcional, e esses trabalhadores no século XIX em sua maior parte eram escravizados. O Censo Demográfico que me referi anteriormente de 1872 registrou na comarca de Igarapé-Miri 4.266 escravos de origem africana, na comarca de Cametá, algo em torno de 2.500 e na comarca da Capital 7.277 escravizados. As demais regiões da Amazônia apresentaram percentuais menores que os já citados.

Quando ocorre a interrupção do trafico atlântico, já não era mais possível contar com a reposição de novos escravos africanos, então o comércio interno de escravos passará a ser a única forma de acesso a mão de obra escrava. Nesse período as transferências de escravos urbanos para as propriedades rurais será uma constante, de áreas economicamente fragilizadas para áreas mais dinâmicas, assim os senhores de Igarapé-Miri no ensejo de se desfazer ou adquirir novos escravos estabeleceram de longa data um comércio interno de escravos que buscava suprir as necessidades de seus empreendimentos. É preciso lembrar ainda que no Brasil o escravo era capital liquido valiosíssima moeda de troca, alvo principal dos investimentos de alguns indivíduos abastados, eram mais valiosos que a própria terra, que naquele período se dispunha em relativa abundância, mas sem braços pra trabalhar tornava-se improdutiva.  

Dessa maneira, é a partir de uma longa tradição escravista na região tocantina, aliada ao significativo número de escravos aqui residentes muito em função das atividades econômicas que aqui se praticava é que se estabeleceu as bases para a consolidação de um importante comércio de escravos na comarca de Igarapé-Miri.

 

Israel Araújo: Cotejando nosso município, naquele momento, com outros da região e até de fora do estado, quais semelhanças e/ou diferenças podem ser apontadas na questão desse comércio de escravos?

David Farias: É possível dizer que a região de Igarapé-Miri segue, em certo sentido, a mesma tendência que se observa para outras regiões do Brasil, ou seja, um comércio de escravos que se materializa principalmente de forma endógena, após 1850 com  o fim do trafico atlântico, o comércio ou tráfico interno de escravos (um debate conceitual que não cabe esmiuçar no momento) vai operar em diversos níveis, o interprovincial, aquele praticado entre as províncias, da mesma região ou de regiões diferentes, o intraprovincial que se realizava dentro de determinada província, mas o grosso desse comércio em todo Brasil ocorreu a nível intermunicipal e intramunicipal.

Em Igarapé-Miri assim como em diversos outros lugares a principal fonte para o estudo desse comércio  são os registros cartoriais, as notas de compra e venda de escravos que passam a ser obrigatórias a partir de 1860, mas que já existiam registrava antes disso, é a partir dessa documentação que tomamos conhecimento de um conjunto diversificado de informações  que nos permitem entender um pouco mais sobre esse mercado de homens e mulheres escravizados.


Israel Araújo: Muito obrigado pela concessão da entrevista, sucessos no lançamento. Faça suas ponderações finais

David Farias: O texto do livro é uma pesquisa inicial, reconheço que existem muitos aprofundamentos a serem construídos, discussões que deixei em aberto, é uma literatura concisa e ao mesmo tempo permeada por informações relevantes sobre nossa história local, para muitos talvez eu devesse amadurecer mais o texto para depois publica-lo, entretanto como professor reconheço a urgência da circulação desse tipo de conhecimento histórico em nossas escolas, discutir temas relevantes  da história a partir de um recorte mais regionalizado creio que seja fundamental.

Agradeço a você pelo espaço aqui no blog, parabenizo pelo trabalho que vem desenvolvendo nas plataformas digitais discutindo temas de interesse da população miriense em geral, aproveito também para convidar seus leitores para o lançamento do livro nesta sexta às 20h no Espaço Verde, Avenida Sesque Centenário, próximo ao MAC

Muito obrigado. 


(Visite e faça seus exames laboratoriais, clínicos, especializados; End: Rua Lauro Sodré, 93, bairro: Centro; em frente ao Banco do Brasil, Igarapé-Miri-PA)

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Era isso. Até mais. 







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