sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Biopoder: crônica do Dr. Fernando Farias

BIOPODER

(Fernando Farias, Academia Igarapemiriense de Letras; UFPA)

S

emana passada tive que intervir em apoio a uma funcionária do supermercado. Uma cliente mal educada chegou sem máscara e quis forçar entrada no estabelecimento. Ao ser abordada, informada da medida sanitária governamental - que obrigava o uso desse item de proteção para adentrar no comércio -, a desgraçada-ignorante chamou um quilo de palavrões e tentou humilhar a trabalhadora. Incomodado, não dei desconto algum e me lancei à oferta de desaforos: afrontei a arrogante como quem anuncia promoção de black friday.

 A servidora, coitada, com os nervos em atacado, me olhou com um olhar de recebimento de auxílio [emergencial]. A aspirante de infração, enfurecida, foi recolhida feito produto fora da validade. Já no estacionamento, a mulher subiu na moto e colocou o capacete. Nesse momento, eu, vacinado [inclusive contra grosserias], me dirigi à porta de entrada, ajustei os óculos, olhei para a resmunguenta e joguei mais um tomate:

- Vá sem capacete. Pra quê capacete!? Isso é desnecessário!

Fui varrido por mais um lote de batatas podres. A dona só não me chamou de última bolacha do pacote. Pelo que pude calcular, a intransigente xingou, ali, em oferta rápida, uns três fardos da minha família...

 

Como citar: FARIAS, Fernando. Biopoder. In: YAMASHIRO, Olga; POLI JÚNIOR, Ovídio. (Orgs.). Parem as máquinas! (Conto e Crônica). Paraty (RJ): Selo Off Flip, 2020, p. 366.


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Texto gentilmente cedido pelo autor a este Blog; agradecemos a disponibilidade e a gentileza. O autor é professor da UFPA, na Faculdade de Letras "Dalcídio Jurandir", Campus de Altamira; é Doutor em Educação pela USP. Em janeiro, integrará, como acadêmico perpétuo, a Academia Altamirense de Letras.

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