sábado, 18 de setembro de 2021

Cancelar vacinação de seu filho(a) jovem é necropolítica (política de morte) EDITORIAL (post #781)

 (sáb, 18 de setembro de 2021)

Israel Fonseca Araújo (editor, fundador)

Academia Igarapemiriense de Letras (AIL) (e-mail: poemeiro@hotmail.com)


É difícil uma pessoa não especialista acreditar que líderes políticos se organizam, reúnem, marcam encontros à mesa (com uísques e vinhos caríssimos) e traçam metas/estratégias que visam produzir mortes no seio da população; para especialistas em filosofia moderna, para estudiosos da sociologia, da política e de regimes autoritários (nazismo e fascismo, p. ex.) essa aceitação é mais tranquila. Mas isso acontece; pode ser doloroso, parecer crudelíssimo e/ou inacreditável à maioria das pessoas. Mas, podemos crer, é o que está acontecendo em nosso Brasil "de Bolsonaro". Podemos crer, de fato, que estamos vivendo uma era crescente de necropolítica no aparelho de Estado brasileiro.

Para seu enfrentamento, a pandemia de Covid-19 exige  estudos, planejamentos e tomadas de decisão que interferem em todo o conjunto populacional. Sim, em todo, pois mesmo que as crianças e os bebês estejam, em tese, quase livres do flagelo pandêmico atual, a morte de seus pais, avós, padrastos, mães, irmãs e irmãos em muito afeta suas vidas; pode, até, destruir as mesmas. Ou seja, ter ou não ter vacinas contra a Covid-19 para tentar livrar as pessoas da morte é uma tática de governamento da população (uma tática de governamentalidade, nos termos de Michel Foucault; Foucault é "um cara" bacana e bastaria uns dias, ou semanas, de conversas com ele para nós estendermos melhor essa perspectiva teórica). Pois é, amigos(as), o "problema" da população leva os governantes a buscarem meios de garantir que o tecido social se mantenha vivo e funcionando; isso, claro: em tese.

Governamentalidade, entendida a partir do teórico francês, vem a ser: conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a população, por forma principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança” (Foucault, 2019, p. 429, grifos meus [1]). Exercer essa complexa forma de poder tem por alvo, especificamente, a população; garantir, por meio da vacinação, a segurança da população seria uma demonstração disso. Estamos pisando o terreno das condições ou intenções governamentais que se voltam à vida: em termos de poder político (e isso, para o mal ou para o bem), estamos às voltas com o exercício do biopoder (Foucault, novamente).

Prejudicar, intencionalmente, a garantia de vida da juventude tem a ver (ou dá clara demonstração) com o que estamos vivenciando, nestes tempos de bolsonarismo. Ora, sempre soubemos que perguntar não ofende; posso? Por que líderes nacionais da política pública de saúde brasuca  (SUS) se reúnem e deliberam, estrategicamente, por deixar na mira da morte nossos irmãos juvenis? Por que líderes nacionais (presidente, Ministro da Saúde, assessores) reúnem-se, à base de vinhos e uísques caríssimos, para decidir que uma parte da população estará disponível para ser dragada pela Covid-19?; é somente por questões de racismo? Claro que isso não é pouca coisa, mas vamos acrescentar o fascismo, o (neo)nazismo, as questões de classe - tipo: de ódio à população mais jovem, mais pobre ou periférica.

Você não está acreditando que os governantes brasucas fariam isso? Em tempos de bolsonarismo, olhe, não duvide; aqueles líderes, citados ali acima, podem estar rindo de você, agora. Vejamos:

Agência Brasil (EBC) - fala do governo federal9-ministerio-recomenda-suspensao-da-vacinacao-de-adolescentes

G1 - Grupo Globo

Estadão

Olhem só; em  sua Aula de 17 de março de 1976, no curso Em defesa da Sociedade, Foucault (2005) fala, revisitando a concepção clássica sobre o tema, de um poder soberano exercido sobre a vida. Em última análise, seria este um poder sobre a vida e a morte, exercido a tal ponto que a vida ou a morte dos súditos só existe enquanto direito pela vontade de um soberano [2]. Nessa mesma Aula, ele afirma que “[...] durante a segunda metade do século XVIII, eu creio que se vê aparecer algo de novo, que é uma outra tecnologia de poder, não disciplinar dessa feita” (FOUCAULT, 2005, p. 228). Trata-se de um deslocamento dessa tecnologia de poder sobre a vida, na medida em que “se vocês preferirem, ela se dirige não ao homem-corpo, mas ao homem vivo, ao homem ser vivo; no limite, se vocês quiserem, [ela se dirige] ao homem-espécie” (FOUCAULT, 2005, p. 289).

É, meus caros, minhas caríssimas, temos um "presidente" e auxiliares que projeta a morte aos seus, que diz "E daí, eu não sou coveiro; quer que eu faça o quê?" É um produtor de necropolítica em nosso meio, visando as nossas vidas. Entender a necropolítica, a partir de Achille Mbembe (2016, p. 123)[3], enquanto “a expressão máxima da soberania [que] reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer”. O autor trata, de modo mais específico, da questão da soberania, do poder de decidir sobre os sujeitos que podem, sobre os que devem viver/morrer. No ensaio desse teórico, visualizamos uma teorização sobre a política da morte. O autor discorre acerca de atuações estatais, as quais, não raro, se voltam a produzir mortes, ao que tudo indica, perpassadas por concepções racistas e por posturas colonizadoras – como no caso da postura, das táticas, do governo central brasileiro voltadas às populações tradicionais/indígenas, supomos. Vemos o teórico apresentar a formulação do necropoder, enquanto “o funcionamento da formação específica do terror” (MBEMBE, 2016, p. 136).

Mais do que uma tecnologia de poder sobre a vida do homem-espécie, da população, conforme postulação foucaultiana, Mbembe (2016) é taxativo ao enunciar o subjugar a vida ao poder da morte, aqui citado: Neste ensaio, argumentei que as formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte (necropolítica) reconfiguram profundamente as relações entre resistência, sacrifício e terror. Demonstrei que a noção de biopoder é insuficiente para explicar as formas contemporâneas de subjugação da vida ao poder da morte” (MBEMBE, 2016, p. 146).

E você poderá perguntar: Mas, o que eu tenho a ver com essas explicações ou formulações de M. Foucault ou de A. Mbembe? O que isso tem a ver com a vacinação e a vida de meus filhos(as)? Eu poderia refletir, junto a você, que essas falas teóricas nos mostram o lugar, a circunstância na qual estamos; expõem, sob outros signos verbais, a nossa realidade. Mas, como se trata de um editorial, cujo gênero exige uma posição do veículo, devo lhes dizer que precisamos estudar esses dispositivos teóricos e examinar a nossa atual conjuntura; não somente isso, que temos de ver o que se passou em lugares como a Alemanha pré-Hitler e hitleriana; é que estamos no meio do caminho, o fascismo tá muito forte em nosso país, mas, ainda temos algum fôlego para reverter essa realidade. Apesar do horrendo apoio que a maioria do campo religioso evangélico, neopentecostal, e católico conservador etc. dado a esses líderes dos eventos necropolíticos, temos, de nosso lado, as táticas de resistência. Amanhã, poderemos estar em um cenário muito pior: de perdas de vidas de filhos, filhas, enteados e outros - pela Covid-19.

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[1] Do texto A Governamentalidade, no livro Microfísica do Poder. Ed. Paz & terra, 2019.

[2] Neste e nos demais parágrafos, nos baseamos no artigo “É COMO PERDER UMA BIBLIOTECA QUE ENSINAVA A TODOS”: BIOPODER, BIO(NECRO)POLÍTICA E POPULAÇÃO INDÍGENA NA AMAZÔNIA BRASILEIRA EM DISCURSOS SOBRE A PANDEMIA DA COVID-19, de Israel Fonseca ARAÚJO (UERN) e Francisco Vieira da SILVA (UERN/UFERSA). Revista do Gelne, v. 23, número 2, 2021 (ISSN: 2236-0883 ON LINE). Dessa publicação, recortamos parte das considerações. O artigo está disponível para download, em : Aqui 

[3] Em tom de marcação de posição conceitual, de firmar seu tecido teórico, o autor ressalta, na p. 147 deste ensaio que estamos citando: “Minha abordagem é baseada na crítica de Michel Foucault sobre a noção de soberania e sua relação com a guerra e biopoder”.

MBEMBE, A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Trad. Renata Santini. Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, n. 32, dezembro 2016. 

(Fim)

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