quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Entrevista com Gerson Dourão: Com a nova legislação, há um "sentimento de pessimismo" que aumenta a disposição de lutar (#823)

(Gerson Dourão, professor, sindicalista e estudioso do Financiamento da Educação Pública)

Temas-geradores da Entrevista: Lei 14.276/2021 (publicada em 28.12.21) que regulamenta a legislação do “Novo FUNDEB”; valorização e carreira na educação básica pública (todos os grifos são deste Blog)

 

Blog Poemeiro do Miri – Professor Gerson, o Senhor é estudioso do financiamento da educação desde há muitos anos. Já atuou e atua no Conselho de Controle Social do FUNDEB, é liderança sindical e foi parlamentar em Moju; somamos a isso a experiência de profissional da educação básica pública e cursos de Matemática, Pedagogia e Educação do Campo. Diante dessa formação/experiência e das mudanças mais recentes no cenário político educacional brasileiro, como o Sr. vê a entrada em vigor da Lei 14.276/2021 (publicada em 28.12.21) e seus impactos no curto e médio prazo em termos de nossa valorização salarial?

Gerson Dourão – Grato pelo convite! Vejo com muita preocupação, pois o que temos vivenciado nas mesas de discussões com os secretários de educação dos municípios paraenses é sempre a posição do cumprimento do mínimo, se não vejamos: com a antiga lei do FUNDEB (11.494/2007), o artigo 22 da referida lei vinculou o mínimo de 60% para a remuneração dos profissionais do magistério em efetivo exercício. Vejam que a lei fala "no mínimo", poderia ser investido mais de 60%; contudo, a posição dos governos era sempre: "já estou cumprindo a lei (60%), não posso investir mais". Em raras exceções, se tinha a posição de aplicação de percentuais maiores de 60%. Com a promulgação da atual lei do novo FUNDEB que vinculou 70% para os profissionais da educação, estávamos bastante otimistas quanto à valorização desses profissionais, pois incluía os profissionais do Magistério que já conhecíamos, mais psicólogos e assistentes sociais, conforme a Lei 13.935/2019, além das preconizações do artigo 61 da Lei 9.394/1997 (que sinaliza, inclusive, para incentivo à formação). Com o advento da Lei 14.276 de 27 de dezembro de 2021, todos os servidores de apoio e administrativo que, estariam no máximo de 30%, passarão a receber pelos 70% - o que, na nossa avaliação, vai gerar possibilidades menores para o avanço da carreira e valorização dos profissionais da educação como um todo.

 

Blog Poemeiro do Miri – Professor, quais são as principais mudanças que a nova lei de regulamentação do FUNDEB (a 14.276/2021) traz e seus impactos em nossa vida nos municípios, digamos: a luta por Plano de Carreira Unificado e Cargo Único de Professor (a)?

Gerson Dourão - A principal mudança está no enquadramento de quem são os profissionais da educação; enquanto na lei antiga do FUDENB trabalhadores em educação que estavam nos 40%, hoje passam todos para os 70%, e nos 30% fica apenas os psicólogos e assistentes sociais para turmas de multiprofissionais. Do ponto de vista da unificação, dá possibilidade de planos [de carreira, PCCR's] unificados; considero que a lei permite um debate mais favorável, já não sei quanto a avanços qualitativos nas remunerações.


Blog Poemeiro do Miri – Senhor acredita que os desdobramentos do cumprimento dessa lei de regulamentação do FUNDEB vão nos ajudar a repensar as “brigas” por “Abono FUNDEB” de fins de ano – ou vão até mesmo enterrar de vez as chances de esses Abonos ou rateios (de sobras) continuarem nos fins de 2022, 23 etc.?

Gerson Dourão - Com a inclusão dos trabalhadores em educação dos 30% nos 70%, as chances de ter Abono por não cumprimento do mínimo de 70% será pequena.


Blog Poemeiro do Miri – Considerando a nova regra (determinação) de que o mínimo de 70% (setenta por cento) de recursos do FUNDEB devem cobrir as despesas com Folha de pagamentos dos “profissionais da educação básica” (grupo magistério mais “apoio técnico, administrativo ou operacional, em efetivo exercício nas redes de ensino de educação básica”; cf. inciso II do § 1º, artigo 26, da citada lei nacional), e considerando que alguém ainda não tivesse entendido a profundidade dessa mudança: como o Senhor explica o impacto dessa nova regra na nossa luta por Plano de Carreira Unificado e Cargo Único de Professor (a)?

Gerson Dourão – Bem, o impacto já mencionamos nas perguntamos anteriores; contudo, merece ser enfatizado que garantir a reformulação dos planos de carreira, de repente não deve ser algo difícil, mas garantir um Plano com avanço na remuneração é que é o desafio... talvez muitos prefeitos querem adequar os planos mais por objetivo de racionamento de recursos e não pela verdadeira valorização que os profissionais da educação merecem.  A discussão do cargo único de professor foi uma discussão feita no contexto da aprovação da lei 11.738 de 2008, lei do Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN): basicamente, aspirávamos dois anseios: que todos fossem nomeados como professor; sendo que uns em função de docência (professor) e outros na função de suporte, orientação, inspeção, direção (coordenadores pedagógicos, diretores, vice-diretores, etc); todos tendo uma carreira única de professor com um Piso unificado para todos esses profissionais; a outra era que os profissionais do suporte pedagógico, direção, etc, passassem a ter direto em Aposentadoria Especial, garantido apenas professor na área da educação que consiste na aposentadoria 5 anos antes que os demais servidores.

 

Blog Poemeiro do Miri – Diante dessa principal mudança, isto é: que o mínimo de 70% passa a pagar magistério e apoio técnico-operacional, o Sr. vê riscos iminentes de governos mais “covardes” e populistas buscarem meios políticos (junto aos vereadores e à sociedade) para quebrar os PCCR’s já existentes – sob argumento de que se tornam “impagáveis” e coisas similares? Diante dessa reflexão, quais táticas seriam mais eficientes para nossas lutas por valorização profissional e educação de qualidade?

Gerson Dourão - Esse risco sempre existiu e não deixará de existir. Uma coisa é fato, é imperativo que os PCCR's terão de ser reformulados, a garantia de avanço sempre foi e sempre será forjado pela capacidade de união dos trabalhadores e trabalhadoras em educação para garantir na luta uma melhor carreira e remuneração.

 

Blog Poemeiro do Miri – Uma fonte deste Blog fez a seguinte observação, assim que tomou conhecimento de que a regulamentação da Lei do “Novo FUNDEB” fez essa já citada alteração: “É o fim de nossa valorização e a destruição de tudo que se conquistou com o Novo Fundeb”; como o Sr. traduziria essa indignação?

Gerson Dourão – O novo FUNDEB permanente trouxe muito otimismo para os trabalhadores em educação; SINTEPP e estudiosos da área, mas com os comandos e princípios que estavam na lei antes da aprovação da lei 14.276/2021, com as mudanças na concepção dos profissionais da educação que trouxe centenas, em alguns casos, unidades de milhares de trabalhadores de outra rubrica para junto dos profissionais que estavam no 70%, sem aumentar percentual; o sentimento não pode ser outro se não de pessimismo.

 

Blog Poemeiro do Miri – Como o Sr. avalia a determinação do Art. 26-A, que diz: “Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão remunerar, com a parcela dos 30% (trinta por cento) [...] os portadores de diploma de curso superior na área de psicologia ou de serviço social, desde que integrantes de equipes multiprofissionais que atendam aos educandos [...]”; quais as possíveis conquistas decorrentes dessa mudança?

Gerson Dourão – Considero impotente a inclusão dos profissionais citados; contudo, vamos precisar compreender como será, pois temos na nossa Amazônia Tocantina inúmeras escolas que o professor é “professor e ocupa as demais funções”; não sei como se formaria essas equipes de multiprofissionais, talvez elas sejam uma realidade mais das escolas polos das regiões campesinas e as maiores da sede dos municípios. Além da discussão de estrutura e reorganização do currículo, que precisará ser discutido para inseri-los de forma qualitativa no processo ensino aprendizagem.

 

Blog Poemeiro do Miri – Em termos de táticas políticas dos parlamentares e do Governo Bolsonaro, como o Sr. percebeu o “xis da questão” dessa mudança (que o mínimo de 70% deve pagar magistério e apoio técnico-operacional)?

Gerson Dourão – Sancionar uma lei a três dias do final do ano, de importância imperiosa para a educação, não parece uma tática tão republicana e democrática. Mas ela dialogava, naquele momento, com o anseio a que havia de que os trabalhadores de apoio e administrativo participassem do pagamento do rateio/abono: houve, inclusive, muita euforia com isso. O problema está nos rebatimentos dessa, a partir desse ano, pós-euforia do Abono.

 

Blog Poemeiro do Miri – Algo mais complexo e mais grave, em termos de valorização do serviço público e de seus servidores, ainda está tramitando em Brasília: trata-se da Proposta de alteração na Constituição Federal, chamada de “PEC da Reforma Administrativa”, a qual poderá mudar drasticamente a estrutura existente e determinar, em muitos casos, o rebaixamento salarial. Podes nos falar um pouco sobre essa questão?

Gerson Dourão – Considero a Reforma da Maldade muito ruim para o serviço público e, em especial, para a carreira e remuneração dos servidores públicos. Prevê o fim da estabilidade no serviço público, acabar com direitos como os benefícios das licenças-prêmio, contrato de professor por intermediários, dentre outros atentados de lesa pátria.


Blog Poemeiro do Miri – Professor Gerson Dourão, nós agradecemos por sua disponibilidade em ajudar nosso Blog e pelos esclarecimentos feitos; faça suas considerações finais.

Gerson Dourão – Eu que agradeço a oportunidade e ratifico a minha posição de necessidade de união dos trabalhadores e trabalhadoras em educação em prol da defesa dos direitos adquiridos e daquelas que precisamos avançar. Chamo atenção do nosso SINTEPP em organizar a categoria para a luta e aos nossos conselhos do FUNDEB, que possam atuar de forma contundente e isenta das asas dos governos municipais para garantir que os recursos da educação, em espacial do FUDENB, cumpram o seu fim - que é garantir uma educação de qualidade, com valorização dos profissionais da educação pública; eis o desafio!

(Fim)

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