Israel Fonseca Araújo (professor e escritor; Academia Igarapemiriense de Letras). José Moraes Quaresma (prof. José Jr. Pedagogo. Administrador Público formado pela UFPA)
A
notícia é muito quente, complexa e produz muitas reviravoltas e (re)sentimentos
em parte da população igarapemiriense. Já vamos tentar explicar.
O que aconteceu? Já é de amplo
conhecimento que a Justiça paraense decidiu, no começo da tarde de hoje
(10/05/22, às 12h e 47min.) e em Primeira Instância, pela cassação
dos mandatos dos atuais Vereadores(as) de Igarapé-Miri: Enf. Cláudio Bastos
Jr., Mielle de Jesus Figueiredo e Raimundo da Conceição Nahum (Neto Nahum).
A
Justiça decidiu pela “nulidade de todos os votos conferidos ao
PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO - PSD de Igarapé-Miri-Pa, nas eleições proporcionais
2020 (cargos de Vereador de Igarapé-Miri), pois, desde a origem, são viciados,
devendo-se proceder à recontagem total, com novo cálculo do quociente eleitoral” (grifamos).
Por que? Porque a
Justiça entendeu que uma houve fraude
praticada pelo PSD (PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO) na cota de gênero nas Eleições
de 2020; que isso configura abuso de poder; que houve candidatas com
indícios de prática de candidatura laranja e uma candidata manifestamente “laranja”,
dentre outras formas de compreender a questão (acompanhe mais, em detalhes,
neste post).
Quem acionou a Justiça? Os pedidos feitos
à Justiça, e que foram parcialmente aceitos, são da então candidata CELMA
RODRIGUES BARROS
e de ANTÔNIO MARCOS QUARESMA FEREIRA (candidatos a Vereador(a) por
MDB e PT, respectivamente) e pelo Partido
Republicano da Ordem Social (PROS), por meio de seu Presidente, Sr. ELTON SERRÃO DOS SANTOS (Elton Saracura).
Segundo
a Sentença, “objeto é tratar de fraude à cota
de gênero sob o prisma do abuso do poder econômico. O magistrado por meio de
decisão Id. 993899215, determinou a reunião das ações eleitorais, proposta por
partes diversas a respeitos dos mesmos fatos, de acordo com o art. 96-B da lei
9.504, de 1997, para fosse realizado o julgamento comum em relação a Impugnação
de Mandato Eleteivo (AIME) e Investigação Eleitoral (AIJ)”.
Complexidade. Subentende-se
que, em tendo havida má-fé partidária e da parte do Representante do PSD (Sr. Manoel João Pantoja Costa, “Joca
Pantoja”) nesse pleito, parte da população teria sido enganada ao votar nos
candidatos do “55”, acreditando que estes não estivessem implicados em uma
anomalia feita por seu partido. Assim, tais votos estariam revestidos de fraude
às regras e leis referentes ao processo eleitoral. E, no Brasil, os mandatos
eletivos pertencem aos partidos: isso é fato incontroverso, já. Portanto, todos
os votos recebidos pelo partido PSD, em 2020 – para Vereador(a) – foram anulado
pela Justiça (item 4, abaixo), nessa decisão.
Por
isso, os três citados Vereadores(as) perderam, por ora, seus mandatos (item 3,
abaixo). Mas não saem, de imediato, de seus postos.
Recursos esperados. Cabe Recurso à
Corte Regional, a chamada Segunda Instância (Tribunal Regional Eleitoral do
Pará, o TRE/PA); os vereadores implicados certamente recorrerão, nos próximos
dias. Representante de Antonio Marcos, o advogado miriense e um dos mais
requisitados em direito eleitoral, João Eudes
Neri, esclarece que: “o Recurso tem efeito suspensivo automático [ou seja,
paralisa a questão, até decisão do TRE/PA]; Câmara [de Igarapé-Miri] só será
notificada após julgamento no TRE; o TSE [Corte Superior, Tribunal Superior
Eleitoral] também pode ser acionado, mas sem efeito suspensivo automático”.
Portanto, ainda terá muitos debates em torno dessa questão; portanto, os
vereadores/as sob cassação seguem, por ora, atuando (representantes dos vereadores,
os advogados Kennedy Gonçalves e Joanaína Gonçalves divulgaram Nota nesse
sentido).
Mas,
as chances de os Edis perderem no TRE/PA existe e em grande proporção, assim
como de obterem vitória; chances de o TSE ser acionado etc.
Em
caso de decisão desfavorável aos vereadores do PSD, caberá ao Presidente da
Câmara, o petista João do Carmo, dar os encaminhamentos e chamar os três Suplentes
e que devem entrar para assumir seus cargos. São eles: Celma Rodrigues (MDB, que teve 756 votos), Marenilson Pureza (PROS, teve 853
votos) e Prof. Antonio Marcos Ferreira
(PT, que teve 327 votos).
Decisão. Em síntese, o
que a Decisão do Magistrado ARNALDO JOSÉ PEDROSA GOMES determina. Leiamos as
textuais, colhidas de sua lavra:
[...]
“Ante
o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos veiculados nesta ação de
Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) e a Ação de Investigação Judicial
Eleitoral (AIJE), a ação em apenso nº 0600552- 98.2020.6.14.0006, nos termos do
art. 487, I, do Código de Processo Civil, para:
1)
Declarar a prática de abuso de poder
consubstanciada em fraude à norma do art. 10, § 3°, da Lei n° 9.504/1997,
com fundamento no artigo 22, inciso XIV, da Lei Complementar n° 64/90, c/c
artigo 175, § 3° e § 4°, do Código Eleitoral;
2)
Decretar a inelegibilidade de MANOEL
JOÃO PANTOJA DA COSTA [Joca Pantoja],
e ROSICLEIDE PINHEIRO DE SOUSA, os quais, comprovadamente, concorreram para
a prática do ato fraudulento, cominando-lhes a sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8
(oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou a fraude (Eleições
2020);
3)
Cassar o mandato dos candidatos eleitos
MIELLE DE JESUS MENDES FIGUEIREDO, CLÁUDIO PINHEIRO BASTOS JÚNIOR, RAIMUNDO DA
CONCEIÇÃO NAHUM, nas eleições Municipais de Igarapé-Miri-2020;
3)
Cassar os registros dos
representados GRACIELE DE SOUSA FERREIRA, SELMA DO SOCORRO CASTRO PATROCÍNIO,
ELEN GLEISE PANTOJA DE SOUZA, GRACIELE DE SOUSA FERREIRA, SELMA DO SOCORRO
CASTRO PATROCÍNIO e ALCYNETE LOBATO LIMA, AGNALDO CASTRO PANTOJA, ARISTEU
CONCEIÇÃO PINHO, JOÃO GILCLEI CARDOSO RODRIGUES, JOELSON SOARES CORRÊA, JOELSON
DOS REIS PANTOJA, JOSIAS DOS SANTOS BELO, FRANCISCO DOS SANTOS PINHEIRO JÚNIOR,
MARIZA MARIA MACHADO QUARESMA, JOSÉ ANTONIO QUARESMA MIRANDA, JONILSON ANTUNES
BARBOSA, MANOEL SANTANA GOMES PINHO e VLADIMIR SANTA MARIA AFONSO JUNIOR, razão
pela qual, foram beneficiados pela fraude e, em consequência;
4)
Declarar a nulidade de todos os votos
conferidos ao PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO - PSD de Igarapé-Miri-Pa, nas eleições
proporcionais 2020 (cargos de Vereador de Igarapé-Miri), pois, desde a origem,
são viciados, devendo-se proceder à recontagem total, com novo cálculo do
quociente eleitoral, de acordo com os votos válidos remanescentes, excluídos os
que decorreram da aludida fraude.
Determino
a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para a instauração de
processo disciplinar e de ação penal, se for o caso, ordenando quaisquer outras
providências que a espécie comportar.
Com
o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, procedendo-se às pertinentes
anotações no sistema e observadas as formalidades legais” (grifamos).
Ânimos. (In)Felizmente, a decisão é de enorme
envergadura, na medida em que mexe(ria) em 20% do total de assentos na Casa de
leis de Igarapé-Miri. É muita coisa e envolve sonhos e planos, trabalhos,
esforços e muitos (muitos) sentimentos e apegos de várias centenas de
munícipes. Mas a Justiça tem sido acionada e dado respostas, pelo Brasil todo,
sobre as práticas partidárias (de décadas) de cometer fraudes (corrupção, no popular) para burlar a
lei eleitoral. Candidatas mulheres têm sido usadas como “laranjas”, e não há
palavra mais dura e mais aceitável nesse contexto; “laranjas”, mesmo (relembre casos : "laranjal" do antigo PSL ou "Nós somos laranjas").
Uma espécie de violência que se fazem às mesmas, pois são candidaturas instaladas somente para permitir que o sistema (eletrônico,
digital etc.) de justiça aceite uma chapa mais robusta de candidatos(as). Sem
um mínimo percentual de um dos gêneros, o registro da Chapa nem passaria.
E
pensarmos que candidato ou candidata vem de “cândido”, “cândida”, “pureza”. Aqui, julgamos que cabem umas indagações:
O
que é uma candidatura “laranja” ou por que essa candidatura pode ser entendida
como fraude diante da Justiça Eleitoral?
Que a nossa
sociedade está recheada de machismo, não é novidade, que as mulheres só tiveram
direito ao voto, muitos anos depois dos homens, também é fato histórico, e que
ainda estão representadas em número muito menor, é um dado oficial. Diante
disso, foi instituída na lei 9504/1997 uma cota de gênero de 30%, na prática,
garantindo o mínimo de 30% de mulheres, pois historicamente são elas que estão alijadas
do processo.
Ocorre que, como
diz o ditado popular, “o costume do
cachimbo, deixa a boca torta”; então mesmo com essa instituição, a prática
continuou e muitas mulheres, inclusive, passaram a serem ainda mais “usadas”
para fins eleitorais. Agora não somente como eleitoras, mas como candidatas
“laranjas”, ou seja, aquelas que registram candidaturas para cumprimento da
cota, mas não fazem campanha; geralmente não recebem recursos do partido e por
vezes ainda fazem campanha para outro candidato.
Registra-se que
esta não é a primeira vez que mandatos foram conseguidos usando essa
ilegalidade, mas esse é assunto para outro debate. Assim, no caso ocorrido em
Igarapé-Miri, o PSD deveria ter dois candidatos homens a menos, mas sob a
“costa larga” da “candidata” mulher que, de acordo com a apuração do caso,
sequer teve a possibilidade de votar em si própria (humilhante, vocês não
acham?), ficou mais fortalecido para a campanha.
O Magistrado assim
registrou em sua decisão "Ademais, a transgressão ao sistema de cotas,
configura abuso de poder, pois vulnera a isonomia da eleição e a vontade do
eleitor, especialmente, se for considerado que outros partidos que participam
do pleito são obrigados pela legislação atual a cumprir a cota legal imposta".
Por
que todos os candidatos(as) a vereador(a) do PSD, em 2020, foram penalizados?
Ao
usarem uma candidatura laranja, os
demais candidatos beneficiaram-se da prática, já que tiveram mais pessoas lutando
pela captação de votos, e os mandatos, por sua vez, são distribuídos entre os
partidos, de acordo com o número de votos conquistados, e não se pode deixar de
mencionar que os Suplentes são passíveis de assumirem tais mandatos em algum
momento. Então, para resguardar que nenhum será beneficiado com a prática
ilegal, todos são penalizados; inclusive para aqueles que concorreram para a
prática fraudulenta foi imposta a inelegibilidade por 08 (oito anos) anos,
contados de 2020, ano em que ocorreu a eleição.
Finalizou
o juiz, da seguinte forma: "conclui-se que o abuso de poder aproveita à
totalidade do partido/coligação, beneficiando todos os candidatos, eleitos ou
não, razão pela qual, se constatada previamente a fraude no preenchimento das
cotas, o DRAP nem sequer seria deferido. O deferimento do DRAP irregular
permitiu maior número de candidaturas masculinas de forma indevida, favorecendo
a todos indistintamente, pois a soma de todos os votos foi contabilizada,
aumentando o coeficiente eleitoral. Porém, a mesma conclusão não se aplica ao
pedido de inelegibilidade, pois essa sanção tem caráter personalíssimo".
Por
que as sanções atingem Manoel João Pantoja da Costa (Joca Pantoja)? Por que a perda de direitos políticos?
O Sr. Joca Pantoja
era o presidente do Partido que realizou a fraude; segundo o juiz que julgou o
caso, e na fala do próprio juiz: “de maneira, resta demostrado o ardil do
representante do Partido Social Democrático – PSD, que se utilizou tal
artificio na fase inicial para preencher as cotas de gêneros. Em relação ao
representante do Partido Social Democrático (PSD), encontra-se demostrado nos
autos, que atos praticados violaram o sistema eleitoral, pois, por duas vezes,
fez-se necessário a intervenção do sistema de justiça, antes de conseguir o
registro no DRAP. Sendo assim, já havia
indícios da fraude a cota de gênero, precisando a intervenção do sistema de
justiça, para que houvesse a correção na cota de gênero, demostrando um
completo desrespeito a ação afirmativa intuída pela legislação eleitoral”.
Logo, o fato do
Presidente, ter ciência da fraude, segundo o juiz, mereceu a pena de
inelegibilidade.
Detalhes:
Em
uma das passagens de sua Decisão, recorrendo à Constituição Federal vigente, o
Magistrado afirma que:
“complementa-se com
os preceptivos dos §§10 e 11 do art. 14 da CF/88, despontam a preocupação de
nova ordem constitucional em garantir a destituição da representação popular
fundamentada no abuso de poder, corrupção ou fraude, vejamos:
§10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a
Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a
ação com provas de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude.
§11. A ação de impugnação de mandato tramitará em
segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou
manifesta má-fé.
[CF/1988, Era. 14]”
Mais gravidade há
nas seguintes passagens, colhidas da Decisão Judicial:
“Importante
ressaltar que o ardil praticado pela agremiação partidária pode ser
identificado, desde o momento dos registros de candidaturas das eleições
municipais de Igarapé-Miri.
[A] Em primeiro
lugar, o Partido Social Democrático (PSD), apresentou para registro apenas 05
(cinco) candidaturas femininas, não preenchendo deste modo o coeficiente legal,
pois foi detectado pelo Membro do Ministério Público Eleitoral e impugnado,
conforme os autos do processo de representação de nº. 0600274-
97.2020.6.14.0006.
[B] No segundo
momento, o Partido demandado PSD, de forma ardilosa, com desrespeito a
legislação eleitoral, apresentou no dia 07 de outubro de 2020, documentação
relativa a vaga remanescente, indicando como candidata, ALCYNETE LOBATO LIMA -
Tina Lima, que não se encontrava filiada ao Partido Social Democrata (PSD), de
maneira que a candidata não teria participado da convenção partidária”.
[C] De tal modo,
que o registro de candidatura foi indeferido por este juízo eleitoral, nos
autos do processo de nº. 0600318- 19.2020.6.14.0006, decisão mantida em RECURSO
ELEITORAL nº: 0600318-19.2020.6.14.0006, datado de 26/10/2020, pois não fez
constar na relação de filiados o nome da candidata Alcynete Lobato Lima, também
não procedeu ao seu registro como deveria, tal como fez com as outras cinco
candidatas.
[D] De forma que
este juízo entende que o Partido Social-Democrata (PSD), vem desde o início do
registro das candidatas de cotas de gêneros, agindo de maneira ardilosa, cujo
objetivo é fraudar a legislação eleitoral de cota de gênero.
(grifamos).
O
que significa ardil, acima usado na
Decisão? Significa: “1. ação que
se vale de astúcia, manha, sagacidade; ardileza; 2. ação que visa iludir,
lograr (pessoa ou animal); armação, cilada” (Dicionário Oxford Languages).
O
caso de maior gravidade, portanto, refere-se às circunstâncias da (então) candidata Rosicleide P. Sousa. Sobre
essa questão, relata o Magistrado que
Sobre o fato,
prossegue o Magistrado:
“compulsando os
documentos apresentados e juntados nos autos, não há elementos que pudesse
demostrar qualquer motivo a convencer este juízo que candidata se encontrava
impossibilitada de realizar campanha eleitoral para o cargo, no qual
concorreu nas eleições Municipal, nem tão pouco os documentos demostram que
houve renúncia tácita ou expressa por parte da candidata. Ademais, a
Sra. ROSICLEIDE PINHEIRO DE SOUSA, compareceu as urnas no dia das eleições,
pois se no dia 15 de outubro de 2022, caso estivesse com qualquer enfermidade
não teria comparecido para votar, conforme caderno de votação, juntados aos
autos e assinados pela candidata, todavia não votou nela mesma, obteve
(00) ZERO VOTO, Id. 101393316/101393317, pois assim, demostra o seu total
desinteresse na eleição municipal” (grifamos).