terça-feira, 10 de maio de 2022

“Candidaturas laranjas” no PSD: Justiça anula mandatos de Neto Nahum, Mielle Figueiredo e Cláudio Jr., em Igarapé-Miri (PA)

Israel Fonseca Araújo (professor e escritor; Academia Igarapemiriense de Letras). José Moraes Quaresma (prof. José Jr. Pedagogo. Administrador Público formado pela UFPA)


A notícia é muito quente, complexa e produz muitas reviravoltas e (re)sentimentos em parte da população igarapemiriense. Já vamos tentar explicar.

O que aconteceu? Já é de amplo conhecimento que a Justiça paraense decidiu, no começo da tarde de hoje (10/05/22, às 12h e 47min.) e em Primeira Instância, pela cassação dos mandatos dos atuais Vereadores(as) de Igarapé-Miri: Enf. Cláudio Bastos Jr., Mielle de Jesus Figueiredo e Raimundo da Conceição Nahum (Neto Nahum).

A Justiça decidiu pela nulidade de todos os votos conferidos ao PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO - PSD de Igarapé-Miri-Pa, nas eleições proporcionais 2020 (cargos de Vereador de Igarapé-Miri), pois, desde a origem, são viciados, devendo-se proceder à recontagem total, com novo cálculo do quociente eleitoral” (grifamos).

Por que? Porque a Justiça entendeu que uma houve fraude praticada pelo PSD (PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO) na cota de gênero nas Eleições de 2020; que isso configura abuso de poder; que houve candidatas com indícios de prática de candidatura laranja e uma candidata manifestamente “laranja”, dentre outras formas de compreender a questão (acompanhe mais, em detalhes, neste post).

Quem acionou a Justiça? Os pedidos feitos à Justiça, e que foram parcialmente aceitos, são da então candidata CELMA RODRIGUES BARROS e de ANTÔNIO MARCOS QUARESMA FEREIRA (candidatos a Vereador(a) por MDB e PT, respectivamente) e pelo Partido Republicano da Ordem Social (PROS), por meio de seu Presidente, Sr. ELTON SERRÃO DOS SANTOS (Elton Saracura).

Segundo a Sentença, “objeto é tratar de fraude à cota de gênero sob o prisma do abuso do poder econômico. O magistrado por meio de decisão Id. 993899215, determinou a reunião das ações eleitorais, proposta por partes diversas a respeitos dos mesmos fatos, de acordo com o art. 96-B da lei 9.504, de 1997, para fosse realizado o julgamento comum em relação a Impugnação de Mandato Eleteivo (AIME) e Investigação Eleitoral (AIJ)”.

 

Complexidade. Subentende-se que, em tendo havida má-fé partidária e da parte do Representante do PSD (Sr. Manoel João Pantoja Costa, “Joca Pantoja”) nesse pleito, parte da população teria sido enganada ao votar nos candidatos do “55”, acreditando que estes não estivessem implicados em uma anomalia feita por seu partido. Assim, tais votos estariam revestidos de fraude às regras e leis referentes ao processo eleitoral. E, no Brasil, os mandatos eletivos pertencem aos partidos: isso é fato incontroverso, já. Portanto, todos os votos recebidos pelo partido PSD, em 2020 – para Vereador(a) – foram anulado pela Justiça (item 4, abaixo), nessa decisão.

Por isso, os três citados Vereadores(as) perderam, por ora, seus mandatos (item 3, abaixo). Mas não saem, de imediato, de seus postos.

Recursos esperados. Cabe Recurso à Corte Regional, a chamada Segunda Instância (Tribunal Regional Eleitoral do Pará, o TRE/PA); os vereadores implicados certamente recorrerão, nos próximos dias. Representante de Antonio Marcos, o advogado miriense e um dos mais requisitados em direito eleitoral, João Eudes Neri, esclarece que: “o Recurso tem efeito suspensivo automático [ou seja, paralisa a questão, até decisão do TRE/PA]; Câmara [de Igarapé-Miri] só será notificada após julgamento no TRE; o TSE [Corte Superior, Tribunal Superior Eleitoral] também pode ser acionado, mas sem efeito suspensivo automático”. Portanto, ainda terá muitos debates em torno dessa questão; portanto, os vereadores/as sob cassação seguem, por ora, atuando (representantes dos vereadores, os advogados Kennedy Gonçalves e Joanaína Gonçalves divulgaram Nota nesse sentido).

Mas, as chances de os Edis perderem no TRE/PA existe e em grande proporção, assim como de obterem vitória; chances de o TSE ser acionado etc.

Em caso de decisão desfavorável aos vereadores do PSD, caberá ao Presidente da Câmara, o petista João do Carmo, dar os encaminhamentos e chamar os três Suplentes e que devem entrar para assumir seus cargos. São eles: Celma Rodrigues (MDB, que teve 756 votos), Marenilson Pureza (PROS, teve 853 votos) e Prof. Antonio Marcos Ferreira (PT, que teve 327 votos).

Decisão. Em síntese, o que a Decisão do Magistrado ARNALDO JOSÉ PEDROSA GOMES determina. Leiamos as textuais, colhidas de sua lavra:

[...]

“Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos veiculados nesta ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) e a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), a ação em apenso nº 0600552- 98.2020.6.14.0006, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para:

1) Declarar a prática de abuso de poder consubstanciada em fraude à norma do art. 10, § 3°, da Lei n° 9.504/1997, com fundamento no artigo 22, inciso XIV, da Lei Complementar n° 64/90, c/c artigo 175, § 3° e § 4°, do Código Eleitoral;

2) Decretar a inelegibilidade de MANOEL JOÃO PANTOJA DA COSTA [Joca Pantoja], e ROSICLEIDE PINHEIRO DE SOUSA, os quais, comprovadamente, concorreram para a prática do ato fraudulento, cominando-lhes a sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou a fraude (Eleições 2020);

3) Cassar o mandato dos candidatos eleitos MIELLE DE JESUS MENDES FIGUEIREDO, CLÁUDIO PINHEIRO BASTOS JÚNIOR, RAIMUNDO DA CONCEIÇÃO NAHUM, nas eleições Municipais de Igarapé-Miri-2020;

3) Cassar os registros dos representados GRACIELE DE SOUSA FERREIRA, SELMA DO SOCORRO CASTRO PATROCÍNIO, ELEN GLEISE PANTOJA DE SOUZA, GRACIELE DE SOUSA FERREIRA, SELMA DO SOCORRO CASTRO PATROCÍNIO e ALCYNETE LOBATO LIMA, AGNALDO CASTRO PANTOJA, ARISTEU CONCEIÇÃO PINHO, JOÃO GILCLEI CARDOSO RODRIGUES, JOELSON SOARES CORRÊA, JOELSON DOS REIS PANTOJA, JOSIAS DOS SANTOS BELO, FRANCISCO DOS SANTOS PINHEIRO JÚNIOR, MARIZA MARIA MACHADO QUARESMA, JOSÉ ANTONIO QUARESMA MIRANDA, JONILSON ANTUNES BARBOSA, MANOEL SANTANA GOMES PINHO e VLADIMIR SANTA MARIA AFONSO JUNIOR, razão pela qual, foram beneficiados pela fraude e, em consequência;

4) Declarar a nulidade de todos os votos conferidos ao PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO - PSD de Igarapé-Miri-Pa, nas eleições proporcionais 2020 (cargos de Vereador de Igarapé-Miri), pois, desde a origem, são viciados, devendo-se proceder à recontagem total, com novo cálculo do quociente eleitoral, de acordo com os votos válidos remanescentes, excluídos os que decorreram da aludida fraude.

Determino a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para a instauração de processo disciplinar e de ação penal, se for o caso, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar.

Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, procedendo-se às pertinentes anotações no sistema e observadas as formalidades legais” (grifamos).

 

Ânimos. (In)Felizmente, a decisão é de enorme envergadura, na medida em que mexe(ria) em 20% do total de assentos na Casa de leis de Igarapé-Miri. É muita coisa e envolve sonhos e planos, trabalhos, esforços e muitos (muitos) sentimentos e apegos de várias centenas de munícipes. Mas a Justiça tem sido acionada e dado respostas, pelo Brasil todo, sobre as práticas partidárias (de décadas) de cometer fraudes (corrupção, no popular) para burlar a lei eleitoral. Candidatas mulheres têm sido usadas como “laranjas”, e não há palavra mais dura e mais aceitável nesse contexto; “laranjas”, mesmo (relembre casos : "laranjal" do antigo PSL   ou  "Nós somos laranjas").

Uma espécie de violência que se fazem às mesmas, pois são candidaturas instaladas somente para permitir que o sistema (eletrônico, digital etc.) de justiça aceite uma chapa mais robusta de candidatos(as). Sem um mínimo percentual de um dos gêneros, o registro da Chapa nem passaria.

E pensarmos que candidato ou candidata vem de “cândido”, “cândida”, “pureza”. Aqui, julgamos que cabem umas indagações:

O que é uma candidatura “laranja” ou por que essa candidatura pode ser entendida como fraude diante da Justiça Eleitoral?

Que a nossa sociedade está recheada de machismo, não é novidade, que as mulheres só tiveram direito ao voto, muitos anos depois dos homens, também é fato histórico, e que ainda estão representadas em número muito menor, é um dado oficial. Diante disso, foi instituída na lei 9504/1997 uma cota de gênero de 30%, na prática, garantindo o mínimo de 30% de mulheres, pois historicamente são elas que estão alijadas do processo.

Ocorre que, como diz o ditado popular, “o costume do cachimbo, deixa a boca torta”; então mesmo com essa instituição, a prática continuou e muitas mulheres, inclusive, passaram a serem ainda mais “usadas” para fins eleitorais. Agora não somente como eleitoras, mas como candidatas “laranjas”, ou seja, aquelas que registram candidaturas para cumprimento da cota, mas não fazem campanha; geralmente não recebem recursos do partido e por vezes ainda fazem campanha para outro candidato.

Registra-se que esta não é a primeira vez que mandatos foram conseguidos usando essa ilegalidade, mas esse é assunto para outro debate. Assim, no caso ocorrido em Igarapé-Miri, o PSD deveria ter dois candidatos homens a menos, mas sob a “costa larga” da “candidata” mulher que, de acordo com a apuração do caso, sequer teve a possibilidade de votar em si própria (humilhante, vocês não acham?), ficou mais fortalecido para a campanha.

O Magistrado assim registrou em sua decisão "Ademais, a transgressão ao sistema de cotas, configura abuso de poder, pois vulnera a isonomia da eleição e a vontade do eleitor, especialmente, se for considerado que outros partidos que participam do pleito são obrigados pela legislação atual a cumprir a cota legal imposta".

 

Por que todos os candidatos(as) a vereador(a) do PSD, em 2020, foram penalizados?

Ao usarem uma candidatura laranja, os demais candidatos beneficiaram-se da prática, já que tiveram mais pessoas lutando pela captação de votos, e os mandatos, por sua vez, são distribuídos entre os partidos, de acordo com o número de votos conquistados, e não se pode deixar de mencionar que os Suplentes são passíveis de assumirem tais mandatos em algum momento. Então, para resguardar que nenhum será beneficiado com a prática ilegal, todos são penalizados; inclusive para aqueles que concorreram para a prática fraudulenta foi imposta a inelegibilidade por 08 (oito anos) anos, contados de 2020, ano em que ocorreu a eleição.

Finalizou o juiz, da seguinte forma: "conclui-se que o abuso de poder aproveita à totalidade do partido/coligação, beneficiando todos os candidatos, eleitos ou não, razão pela qual, se constatada previamente a fraude no preenchimento das cotas, o DRAP nem sequer seria deferido. O deferimento do DRAP irregular permitiu maior número de candidaturas masculinas de forma indevida, favorecendo a todos indistintamente, pois a soma de todos os votos foi contabilizada, aumentando o coeficiente eleitoral. Porém, a mesma conclusão não se aplica ao pedido de inelegibilidade, pois essa sanção tem caráter personalíssimo".

 

Por que as sanções atingem Manoel João Pantoja da Costa (Joca Pantoja)? Por que a perda de direitos políticos?

O Sr. Joca Pantoja era o presidente do Partido que realizou a fraude; segundo o juiz que julgou o caso, e na fala do próprio juiz: “de maneira, resta demostrado o ardil do representante do Partido Social Democrático – PSD, que se utilizou tal artificio na fase inicial para preencher as cotas de gêneros. Em relação ao representante do Partido Social Democrático (PSD), encontra-se demostrado nos autos, que atos praticados violaram o sistema eleitoral, pois, por duas vezes, fez-se necessário a intervenção do sistema de justiça, antes de conseguir o registro no DRAP.  Sendo assim, já havia indícios da fraude a cota de gênero, precisando a intervenção do sistema de justiça, para que houvesse a correção na cota de gênero, demostrando um completo desrespeito a ação afirmativa intuída pela legislação eleitoral”.

Logo, o fato do Presidente, ter ciência da fraude, segundo o juiz, mereceu a pena de inelegibilidade.

Detalhes:

Em uma das passagens de sua Decisão, recorrendo à Constituição Federal vigente, o Magistrado afirma que:

 “complementa-se com os preceptivos dos §§10 e 11 do art. 14 da CF/88, despontam a preocupação de nova ordem constitucional em garantir a destituição da representação popular fundamentada no abuso de poder, corrupção ou fraude, vejamos:

 

§10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude.

§11. A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou manifesta má-fé. [CF/1988, Era. 14]

Mais gravidade há nas seguintes passagens, colhidas da Decisão Judicial:

“Importante ressaltar que o ardil praticado pela agremiação partidária pode ser identificado, desde o momento dos registros de candidaturas das eleições municipais de Igarapé-Miri.

[A] Em primeiro lugar, o Partido Social Democrático (PSD), apresentou para registro apenas 05 (cinco) candidaturas femininas, não preenchendo deste modo o coeficiente legal, pois foi detectado pelo Membro do Ministério Público Eleitoral e impugnado, conforme os autos do processo de representação de nº. 0600274- 97.2020.6.14.0006.

[B] No segundo momento, o Partido demandado PSD, de forma ardilosa, com desrespeito a legislação eleitoral, apresentou no dia 07 de outubro de 2020, documentação relativa a vaga remanescente, indicando como candidata, ALCYNETE LOBATO LIMA - Tina Lima, que não se encontrava filiada ao Partido Social Democrata (PSD), de maneira que a candidata não teria participado da convenção partidária”.

[C] De tal modo, que o registro de candidatura foi indeferido por este juízo eleitoral, nos autos do processo de nº. 0600318- 19.2020.6.14.0006, decisão mantida em RECURSO ELEITORAL nº: 0600318-19.2020.6.14.0006, datado de 26/10/2020, pois não fez constar na relação de filiados o nome da candidata Alcynete Lobato Lima, também não procedeu ao seu registro como deveria, tal como fez com as outras cinco candidatas.

[D] De forma que este juízo entende que o Partido Social-Democrata (PSD), vem desde o início do registro das candidatas de cotas de gêneros, agindo de maneira ardilosa, cujo objetivo é fraudar a legislação eleitoral de cota de gênero.

(grifamos).

O que significa ardil, acima usado na Decisão? Significa: “1. ação que se vale de astúcia, manha, sagacidade; ardileza; 2. ação que visa iludir, lograr (pessoa ou animal); armação, cilada” (Dicionário Oxford Languages.

O caso de maior gravidade, portanto, refere-se às circunstâncias da (então) candidata Rosicleide P. Sousa. Sobre essa questão, relata o Magistrado que

Sobre o fato, prossegue o Magistrado:

“compulsando os documentos apresentados e juntados nos autos, não há elementos que pudesse demostrar qualquer motivo a convencer este juízo que candidata se encontrava impossibilitada de realizar campanha eleitoral para o cargo, no qual concorreu nas eleições Municipal, nem tão pouco os documentos demostram que houve renúncia tácita ou expressa por parte da candidata. Ademais, a Sra. ROSICLEIDE PINHEIRO DE SOUSA, compareceu as urnas no dia das eleições, pois se no dia 15 de outubro de 2022, caso estivesse com qualquer enfermidade não teria comparecido para votar, conforme caderno de votação, juntados aos autos e assinados pela candidata, todavia não votou nela mesma, obteve (00) ZERO VOTO, Id. 101393316/101393317, pois assim, demostra o seu total desinteresse na eleição municipal” (grifamos).


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