segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Entrevista Exclusiva: Rapper Sumano fala sobre carreira, "26" e resistência às mazelas sociais (809)

Capa. Divulgação de "26" (Capa: Gerson Rocha, fotografia: Jerê Santos)

Nada como um novo sol é uma canção-símbolo na carreira do happer Sumano - nome artístico de Euller Santos, jovem de 26 anos, nascido na vila Menino Deus (Rio Anapu, interior de Igarapé-Miri/PA). A música é um manifesto sonoro e consolidou de vez seu nome na cena do Rap paraense (link pra acessar "Novo Sol", no You Tube: Clique AQUI); nela, o artista canta e declama a "população camponesa que resiste" a uma sociedade racista, opressora e desigual. Nesse momento, Sumano dá ao público as boas-vindas oficiais de um artista que leva suas origens por onde passa, ciente de onde vem e de onde almeja chegar com sua arte. Ponto mais forte de suas canções, que já são muitas, é a (re)afirmação, com muito orgulho e criticidade, de sua identidade enquanto jovem negro do interior. Nelas, Sumano retrata sua realidade, trazendo mensagens de resistência, autoafirmação e, principalmente, esperança por acreditar que a sua musicalidade pode ser poderoso instrumento de partilha de sonhos e sentimentos, capaz de mudar a vida de quem lhe ouve.

Neste momento, desde às vésperas do último dia 02 Sumano está bombando - nas redes sociais, nas rádios, You Tube e demais plataformas - com a sua nova canção de trabalho, intitulada "Sumano - 26". Nesse clima festivo e de resistência contra o racismo estrutural e as exclusões sociais, iniciamos a Entrevista Exclusiva que Sumano concedeu a nosso Blog Poemeiro do Miri, pelo que lhe somos muito grato(s).

 

Poemeiro do Miri - Sumano, desde seu começo (cantando nos movimentos sociais de base, escolas e outros espaços), a resistência e o engajamento são marcas de sua carreira; suas músicas enunciam letras muito críticas e altamente densas em termos teóricos e de denúncia das mazelas sociais (com destaque para o racismo e o extermínio da população pobre, preta e periférica). O que temos de novo e/ou de continuidades na sua mais nova canção, intitulada "Sumano - 26"?

Sumano: Em 26, eu trouxe o paradoxo que é ser um artista preto. A constante proximidade da morte e do sucesso é uma situação que me prende na ideia do "será?". Obviamente aqui eu não falo apenas da morte dos nossos corpos, porém, da morte de sonhos também. O novo dessa vez tá na linguagem mais direta, precisei ser mais objetivo porque não se trata de algo unicamente meu, sei que tem muitos sumanos por aí querendo ver a mãe feliz, numa casa legal, com comida todo dia...sabe, sem se preocupar tanto com o dia seguinte.


Poemeiro do Miri  - Você canta Eu sou prata da casa, brilhando / Tipo aquele prato sem rango; / Tipo cachorro sem dono; / Sem marca dessa coleira. / Só marco gol pro meu bando; / Sou divisor de oceanos": qual a mensagem que "Sumano - 26" vem apresentar aos nossos debates, com essa descrição?

Sumano: Em um jogo de futebol, quando o técnico resolve meter no jogo um jogador que foi formado no próprio time e que está jogando em casa, o locutor diz "vem aí uma prata da casa", que seria uma revelação, um atleta com potencial. Bem, eu sou bom, eu tenho um brilho, mas não me sinto reconhecido como um artista bom por grande parte das pessoas de onde sou (falo em nível de estado); então, eu brilho, mas não como um jogador "prata da casa", mas como um prato sem comida. Que, em outras palavras, é só um prato, não mata minha fome, não alimenta meu sonho. Isso faz eu me fechar, desanima, não desisto porque meus amigos e familiares dão forças (esse é meu bando).

 

Poemeiro do Miri - Você já vem colocando Anapu e Igarapé-Miri no mapa musical do estado, está presente em sites renomados (G1, O Liberal, Genius Brasil) e tem obras disponíveis nas principais plataformas digitais (Youtube, Spotify, Deezer). Em seus 6 anos de estrada, percebemos "carimbos” estaduais e interestaduais, mas, como você analisa sua legitimação em terras mirienses, no cenário artístico/cultural da "terra do Açaí"? Em que podemos avançar, ou como avançar nesse sentido e no fortalecimento dessa musicalidade?

Sumano: Pra ser bem sincero, eu considero minha arte uma viagem, no sentido de que quando estou fora de casa, eu vivo ela intensamente, e quando volto, ela fica na lembrança. Em Igarapé-Miri é onde eu me sinto menos Sumano e mais Euller. Porém eu entendo que sou de uma cultura que não é originalmente nossa (miriense) e entendo também que na nossa terra as informações chegam de forma mais lenta (principalmente por conta do nosso processo histórico). Então, acredito que os sujeitos que promovem eventos culturais no município poderiam mapear e, na medida do possível, tecer relações com os artistas das diferentes culturas afim de entender o nosso rolê e, quem sabe, aproximar a gente da massa fazendo convites pra esses eventos.

 

Poemeiro do Miri - Você vê a pauta moral ou o moralismo barato enquanto um dos principais obstáculos para nosso povo entender e cantar, a plenos pulmões, letras como: "Se essa p**** virar eles vêm pra falar / que deixei de ser eu, que dinheiro corrompe?"

Sumano: Esse mesmo povo canta palavras tão fortes quanto essa em versos de cantores e cantoras da música sertaneja, forró, etc... ao meu ver, nesse caso especificamente, é porque é um sujeito preto, periférico e sem dinheiro que tá  falando e em um gênero marginalizado.

 

Poemeiro do Miri - Na sua letra de "Sumano - 26", você afirma: "Nunca pensaram no que sou capaz / Quando as coisas apertam, inclusive a fome". Qual o tamanho dessa denúncia ou desse desabafo para uma juventude economicamente ativa e que tá "morrendo" de fome nestes tempos de (neo)fascismo e de destruição das redes dignas de trabalho?

Sumano: É comum falar que os artistas, quando passam a viver da arte, ganhar dinheiro mesmo, deixam de ser o mesmo, que se corrompe ou "se vende" pra esse estilo de vida que não é de todos os semelhantes. Percebe? O medo de eu me corromper quando e se eu ganhar grana com isso é menor que o medo do que eu possa fazer hoje por falta de dinheiro. Ouço muito "quando chegar no topo não esquece de onde veio", mas, e agora? O que têm pra me dizer/oferecer agora? Você compartilha minha música? Me chama pro seu evento? Põe minha música no seu som? É disso que eu quero viver sim, mas a realidade não me permite, e muitos iguais a mim optaram por outros caminhos: muitos, o crime, outros o trabalho irregular...isso é sistemático, entende?

 

Poemeiro do Miri - Sumano, de que forma a gestão de políticas públicas locais e regionais pode ser melhor, mais eficiente e mais igualitária, considerando que você transita muito bem por palcos e ajuda a liderar projetos em Abaetetuba, Cametá e Belém? (Sabemos que você esteve ausente do palco do Festival do Açaí 2021, diga-se de passagem)

Sumano: Principalmente Cametá e Abaetetuba têm um povo que se identifica muito com o que é deles e com quem é deles. Existe nesses municípios um constante diálogo entre os coletivos que, por várias vias, aproximam artistas, movimentos sociais, instituições e a sociedade civil no geral. Penso que a raiz esteja no senso de coletividade, e eu não estou dizendo que nesses municípios tudo é 100% bom, mas que estão avançados em algumas coisas em relação a Igarapé-Miri. Eu confesso que queria, sim, que aqui no meu município houvesse mais diálogo nesse sentido. Pessoas dizem "tu que tem quer ir atrás": eu não vou, porque nesses outros municípios eu sou chamado, eu não me ofereço, entende?

 

Poemeiro do Miri - "São 6 canos, 3 manos/ várias mortes nesses 10 anos / 5 mães e 25 planos / 26, se eu viver esse ano" (trecho de Sumano - 26). Cara, te digo que sua letra é um protesto; como você já bem disse antes, suas letras são "manifestos sonoros". De onde vem essa inspiração ou esses gatilhos para problematizar o extermínio jovem/preto em nosso país?

Sumano: Vem do fato de ser um jovem preto. E repito: essas mortes não são apenas físicas. Elas também são a negação do nosso saber, da nossa arte, dos nossos sonhos, da nossa autoestima.

 

Poemeiro do Miri - Quais são os planos para os próximos meses, anos no que diz respeito ao crescimento da visibilidade de seu trabalho na nossa terra e fora, para além dela? Como você espera (juntamente com os "parças" Giovanni Kempes, Jerê Santos, Jacy Santos e tantos outros) sacudir nossos palcos e nossas mentes diante de um cenário de carência de políticas públicas mais plurais e inclusivas?

Sumano: Eu dei início à produção do meu álbum que vai ser lançando em 2022. Será o maior projeto que já produzi, e grande parte dessa turma vai tá comigo na construção. Me encho de esperança ao ver esses sujeitos em destaque, não apenas por serem do meu município, mas por terem a noção de mutirão. No projeto da música 26 envolvemos 5 pessoas de Igarapé-Miri e todas desenvolveram um excelente trabalho. Tomara que nossa gente valorize isso.

 

Poemeiro do Miri - Muito obrigado por esta conversa, pelas respostas e pistas que nos deu. Qual sua mensagem de até logo, para nosso público?

Divulgação de "Sumano - 26" (foto: Jerê Santos)


Sumano
: Um forte abraço em cada um e cada uma que tiver contato com esse material, espero que todos estejam bem e que assim continuem. Obrigado por dedicar um pouco do seu tempo para conhecer um pouco do nosso trabalho. A gente se ver!

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P. S.: Colaborou: Giovanni Kempes, Assessoria-Geral do Projeto "Sumano - 26".


Mídias do artista:

Youtube: SUMANO - YouTube

Spotify/Deezer: Sumano

Insta: @_sum4no

Twitter: @sumanomc

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