Mais cinco observações sobre o momento atual da crise:
(1) A
Rede Globo decidiu demonstrar sua força. Por motivos que ainda não estão
inteiramente claros, ela resolveu rifar Michel Temer e reorganizar a coalizão
golpista em outras bases. Não está sozinha nesse projeto, nem é necessariamente
quem o comanda, mas é sem dúvida o grande instrumento de sua execução. Ainda
que o restante da mídia corporativa não tenha o mesmo propósito (como demonstra
o esforço da Folha de S. Paulo para desacreditar as gravações de Joesley
Batista), o empuxo da Globo é forte demais e todos já tratam a queda de Temer
como questão de dias. Ou seja: as sucessivas vitórias do PT mostraram que a
Globo não tem o poder de definir os resultados eleitorais, mas ela continua
capaz de desestabilizar governos a seu bel-prazer. O fato de que o usurpador
não mereça que se derrame uma lágrima por ele, muito pelo contrário, não
significa que não precisemos entender o que significa esse poder tão desmedido.
(2)
Temos hoje dois conflitos sobrepostos. O primeiro é interno à coalizão no
poder. O golpismo está dividido, uma vez que Temer decidiu resistir e usa todos
os recursos de que dispõe para adquirir os apoios que lhe garantam uma
sobrevida, ainda que frágil. O problema, para ele, é que a principal ameaça vem
não do Congresso, mas do TSE. A tranquila maioria que ele construiu nos últimos
meses, para aprovar a esdrúxula tese da separação da chapa, não existe mais. O
colegiado que vai definir sua sorte é menos suscetível aos agrados que o
Executivo pode fazer e tende a seguir o consenso das classes dominantes, que
cada vez mais aponta para a substituição de Temer. Afinal, com exceção do
usurpador e de seus cúmplices mais próximos, todos julgam que rifá-lo é um bom
negócio, se com isso superam a crise. O segundo conflito é entre o golpismo e o
campo democrático. É aqui que entra a bandeira das diretas-já. O golpe não foi
dado para que alguma vontade popular pudesse se expressar, muito pelo
contrário. Foi dado para implantar um projeto que as urnas sempre rechaçaram.
Por isso, as eleições diretas têm que ser evitadas a qualquer custo.
(3)
Entre os problemas que as diretas-já geram, para os donos do poder, está o fato
de que não haverá tempo para impedir a candidatura de Lula. Mas as diretas não
são para eleger Lula. As diretas são para interromper e reverter o golpe. Por
isso, a luta pelas diretas é indissociável da luta contra o retrocesso nos
direitos. O povo deve ser chamado a se manifestar não para escolher um nome,
mas para escolher um programa. O programa mínimo do campo democrático e popular
é a revogação da emenda constitucional que congela o investimento social, o
retorno da plena vigência dos direitos trabalhistas, a sustação da reforma da
previdência, a plena vigência das liberdades - a partir daí, tentamos avançar,
mas esse é o mínimo. Lula vai se comprometer claramente com esse programa? Ou
não vai resistir à tentação de acenar para as elites, para recompor a
"governabilidade" que deu no que deu? Seja como for, a realização
desse programa depende da pressão organizada, mais até do que da eleição de A ou
B.
(4) O
oposto das diretas é a pressão ostensiva do "mercado" (que, no
noticiário, é o nome de fantasia do capital) para que o sucessor não esmoreça
nas "reformas" (o nome de fantasia para a retirada dos direitos). É
impressionante como, na imprensa, a necessidade de ouvir a população é
desdenhada como irrelevante ou estigmatizada como "golpe" (!), mas as
vozes do capital são reverberadas cuidadosamente. O recado é claro: a vontade
popular não pode atrapalhar a vontade do "mercado". O casamento entre
capitalismo e democracia, que sempre foi tenso, agora se mostra claramente como
uma relação abusiva. A regra era que o capital impunha sua vontade pelos
mecanismos do mercado, o que já lhe dava um poder de pressão descomunal, mas os
não-proprietários tinham a chance de limitar esse poder graças ao processo
eleitoral. Essa salvaguarda não é mais aceita. Ela terá que ser imposta
novamente ao capital, como o foi nas primeiras décadas do século XX.
(5) Não se vê uma única voz se levantar em favor de Aécio Neves. O
pragmatismo da direita devia servir de alerta àqueles que a servem: são todos
descartáveis. "Acéfalo" com a prisão da irmã, como disse a Folha de
S. Paulo; sem poder contar sequer com o abraço amigo de Luciano Huck... Triste
fim do Al Capone de Ipanema.
______________________
LUÍS FELIPE MIGUEL é
Professor Doutor e pesquisador, atuante na Universidade de Brasília (UNB).
Estuda mídia, política, relação entre grande mídia e eleições no Brasil,
discute a teoria dos campos, entre outras. Texto disponibilizado via Facebook:
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